28 dezembro 2008

Para entender o pós-modernismo



A idéia de "pós-modernismo" surgiu pela primeira vez no mundo hispânico, na década de 1930, uma geração antes de seu aparecimento na Inglaterra ou nos EUA. Perry Anderson, conhecido pelos seus estudos dos fenômenos culturais e políticos contemporâneos, em "As Origens da Pós-Modernidade" (1999), conta que foi um amigo de Unamuno e Ortega, Frederico de Onís, que imprimiu o termo pela primeira vez, embora descrevendo um refluxo conservador dentro do próprio modernismo. Mas coube ao filósofo francês Jean-François Lyotard, com a publicação "A Condição Pós-Moderna" (1979), a expansão do uso do conceito.
Em sua origem, pós-modernismo significava a perda da historicidade e o fim da "grande narrativa" - o que no campo estético significou o fim de uma tradição de mudança e ruptura, o apagamento da fronteira entre alta cultura e da cultura de massa e a prática da apropriação e da citação de obras do passado.
A densa obra de Frederic Jameson
[1] "Pós-Modernismo" (1991), enumera como ícones desse movimento: na arte, Andy Warhol e a pop art, o fotorrealismo e o neo-expressionismo; na música, John Cage, mas também a síntese dos estilos clássico e "popular" que se vê em compositores como Philip Glass e Terry Riley e, também, o punk rock e a new wave"; no cinema, Godard; na literatura, William Burroughs, Thomas Pynchon e Ishmael Reed, de um lado, "e o nouveau roman francês e sua sucessão", do outro. Na arquitetura, entretanto, seus problemas teóricos são mais consistentemente articulados e as modificações da produção estética são mais visíveis.
Jameson aponta a imbricação entre as teorias do pós-modernismo e as "generalizações sociológicas" que anunciam um tipo novo de sociedade, mais conhecido pela alcunha "sociedade pós-industrial". Ele argumenta que "qualquer ponto de vista a respeito do pós-modernismo na cultura é ao mesmo tempo, necessariamente, uma posição política, implícita ou explícita, com respeito à natureza do capitalismo multinacional em nossos dias".
Vale observar que Perry Anderson, ao ser convidado a fazer a apresentação do livro de Jameson, terminou escrevendo o seu próprio “As origens da pós-modernidade”, constituindo assim uma espécie de ‘introdução’ ao conceito. Nele diz que o modernismo era tomado por imagens de máquinas [as indústrias] enquanto que o pós-modernismo é usualmente tomado por “máquinas de imagens” (p.105) da televisão, do computador, da Internet e do shopping centers. A modernidade era marcada pela excessiva confiança na razão, nas grandes narrativas utópicas de transformação social, e o desejo de aplicação mecânica de teorias abstratas à realidade. Jameson observa que “essas novas máquinas podem se distinguir dos velhos ícones futuristas de duas formas interligadas: todas são fontes de reprodução e não de ‘produção’ e já não são sólidos esculturais no espaço. O gabinete de um computador dificilmente incorpora ou manifesta suas energias específicas da mesma maneira que a forma de uma asa ou de uma chaminé” (citado por Anderson, p.105).
Para Gianni Vattino (2001) “a chamada "pós-modernidade" aparece como uma espécie de Renascimento dos ideais banidos e cassados por nossa modernidade racionalizadora. Esta modernidade teria terminado a partir do momento em que não podemos mais falar da história como algo de unitário e quando morre o mito do Progresso. É a emergência desses ideais que seria responsável por toda uma onda de comportamentos e de atitudes irracionais e desencantados em relação à política e pelo crescimento do ceticismo face aos valores fundamentais da modernidade. Estaríamos dando Adeus à modernidade, à Razão (Feyerabend) Quem acredita ainda que "todo real é racional e que todo real é racional"(Hegel)? Que esperança podemos depositar no projeto da Razão emancipada, quando sabemos que se financeiro submetido ao jogo cego do mercado? Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do sistema, onde só tem valor o que funciona segundo previsões, onde seus desejos, suas paixões, necessidades e aspirações passam a ser racionalmente administrados e manipulados pela lógica da eficácia econômica que o reduz ao papel de simples consumidor”.
O pensador brasileiro Sérgio Paulo Rouanet no seu estudo “As origens do Iluminismo” (1987) oportunamente observa que o prefixo pós tem muito mais o sentido de exorcizar o velho (a modernidade) do que de articular o novo (o pós-moderno). Ou seja, o que há é uma “consciência de ruptura”, que o autor não considera uma “ruptura real”. Rouanet escreve:
“depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de Aushwitz, depois de Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação atômica, pela ressurreição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela degradação dos ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da modernidade. Todos esses males são atribuídos ao mundo moderno. Essa atitude de rejeição se traduz na convicção de que estamos transitando para um novo paradigma. O desejo de ruptura leva à convicção de que essa ruptura já ocorreu, ou está em vias de ocorrer (...). O pós-moderno é muito mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-se ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que despontam. À consciência pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna. Nesse sentido, ela é um simples mal-estar da modernidade, um sonho da modernidade. É literalmente, falsa consciência, porque consciência de uma ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é também consciência verdadeira, porque alude, de algum modo, às deformações da modernidade”.


Esquerda e a pós-modernidade

A esquerda tradicional, no Brasil, torce o nariz com o termo pós-modernidade. Cito dois exemplos: o historiador Ciro Flamarion Cardoso (1994), diz que o “paradigma pós-moderno” é fundado no anti-racionalismo subjetivista, “desconstrutivista”, na denuncia dos excessos da ciência. Cardoso desconfia da retórica dos pós-modernistas, por vezes, apodíticas, com afirmações apresentadas como se fossem axiomáticas e auto-evidentes. Reclama, ainda, do desleixo teórico e metodológico de seus argumentos.
Também Dermerval Saviani (1992 e 1997), que é um dos expoentes da filosofia da educação brasileira, na sua pedagogia histórico-crítica, de fundamentação marxista, reconhece no pós-moderno tão somente efeitos de uma época de “fragmentação” e “superficialidade”, um período de “decadência da cultura”, de “esvaziamento do trabalho pedagógico na escola”, enfim, seria mais um meio ardiloso da produção ideológica ‘pós-capitalista’ para encobrir a percepção dos homens a respeito do desenvolvimento histórico. Jameson também teria “identificado firmemente o pós-modernismo com um estágio do capitalismo, entendido segundo os clássicos termos marxistas”
[2].
No fundo, parece existir nestes argumentos acima, uma espécie de ciúme ou receio de que “a pós-modernidade seria um suposto período onde a burguesia deixaria de ser classe revolucionária e passaria a ser classe dominante, e, assim fazendo, voltar-se-ia contra a própria cultura pois, agora, teria que se perpetuar no poder através, embora não exclusivamente, de mecanismos ideológicos” (dito por GHIRALDELLI Jr, 1994). Ou seja, a tendência marxista da pedagogia brasileira opta pela modernidade e despreza a idéia de pós-modernidade por esta insinuar o esvaziamento do caminho dogmático rumo ao socialismo, via revolução.
Os sinais do pós-modernismo que mais parecem incomodar a esquerda tradicional e a direita reacionária, resumindo, são: no campo político, a atitude desinteressada, despolitizada (no sentido tradicional); os pós-modernos, aparentemente falam e agem sem o peso da “angústia de influencia” (Bloom). Também são avessos aos extremismos clássicos, do tipo “esquerda-progressista” e “direita-conservadora”, uma vez que acreditam estarem estas definitivamente superadas. Os pós-modernistas, como já foi dito, descartam a idéia de revolução como passaporte necessário para uma “nova sociedade", um "novo homem” e uma “nova felicidade realista” “sem classes” e “sem desigualdade”. Valer dizer que além da descrença, existe o fato das revoluções ocorridas no socialismo real, resultaram em totalitarismos, fracasso econômico e decepção da população obrigada a conviver com a falta de liberdade. No campo da arte e na estética, parece incomodar a “emancipação do vulgar” e a mistura de gêneros. No campo da moral, existe a tendência a tolerância, o respeito as diferenças humanas, o pluralismo radical, ou seja, “sem inimigos a derrotar”; por vezes, também parecem se posicionar numa atitude de neutralidade moral frente às discussões que se encaminham para polarizações que cheiram ao maniqueísmo. No campo da educação, existe o discurso por um ensino e uma pesquisa inter ou transdisciplinar. Aqui, a crítica maior é dirigida ao ensino cientificista, especializado, que teima em fazer apologia do progresso, cego aos seus ‘efeitos colaterais’. O culto ao progresso, o culto da ciência e o culto da razão
[3], e o desprezo às outras formas de conhecimento, são características da modernidade, do iluminismo, cujos efeitos colaterais pudemos sentir ao longo do século 20. Na verdade, o progresso científico e da industrialização, fez abrir a caixa de Pandora, cujos efeitos são visíveis nos dados ao meio ambiente, na violência urbana e na pobreza dos homens. Na filosofia, aparece à oposição a tradição essencialista, a adoção pela pluralidade de argumentos, com a proliferação de paradoxos e do paralogismo – antecipadas na filosofia de Nietzsche, Wittgenstein e Levinas. No campo epistemológico, o sujeito pós-moderno desconfia dos “grandes sistemas teóricos” ou da “grande idéia”, que, no fundo é de inspiração religiosa – visto que são as religiões que sempre prometem a felicidade (uma “idade de ouro”) num tempo futuro[4]. As religiões vivem deste tipo de propaganda enganosa.
A ação política pós-moderna, descrente da ação política tradicional (partidos políticos, sindicatos, eleição de representantes, etc), prefere atuar através de ações voluntárias através de ONGs, bem como nos atos mais ou menos espontâneos de grupos e de sujeitos que investem, por exemplo, em melhorar a saúde da sociedade. São as ações pró educação para diminuir a violência no trânsito, ações pró educação ambiental, a luta pela extinção do tabagismo e das drogas, a prevenção da DST e AIDS, a participação de ações contra a fome, prestar serviço para a eliminação do analfabetismo, a participação nos projetos e-learning, etc, podem ser de inspiração pós-modernista
[5].


Alguns sintomas no sujeito pós-moderno


Rouanet se arrisca em fazer uma psicopatologização ao considerar, primeiro, o moderno essencialmente como contraditório. É na modernidade que Freud e depois mais radicalmente W. Reich, ambos estabelecem a conexão repressão sexual e enfermidades mentais. Segundo, a sociedade pós-moderna irá favorecer o surgimento de um hedonismo socializado pela mídia e, de certa forma, respondida pela própria sociedade como sintoma “sociedade espetáculo” (Debord).
Na sociedade ocidental pós-moderna a visibilidade de cenas tende a ser obscena, quando exclui a dimensão da subjetividade e da privacidade das pessoas. Ou seja, anula-se a dimensão do privado, tornando “tudo” público, do cotidiano dos ansiosos por fama dos ex-anônimos do programa televisivo Big Brother, aos já famosos da revista Caras, e, também, o ritual histérico dos evangélicos, dos carismáticos e islâmicos, que se oferecem para serem vistos pela televisão seduzindo todos com suas “justas causas”, aos miseráveis igualmente noticiados e fotografados decorrentes de algum fato jornalístico.
Os sintomas de obscenidade da era moderna de exploração sexual ou de exploração do trabalho, operavam sempre no oculto, eram marginalizadas aos subterrâneos da vida social. Os dispositivos ideológicos de manutenção das cosias como estavam, eram a opressão social, a repressão psíquica e o trabalho ideológico de recondução da libido para fins de trabalho ou exploração industrial; hoje, na sociedade pós-moderna, reforçando o que foi dito acima, operam mecanismos de promoção da visibilidade do que era privado, como se decretasse o fim do segredo ou o fim da intimidade.
A doença da era moderna era a histeria, onde ocorria a teatralização do sujeito incapaz de suportar tanta repressão, originada no conflito endopsíquico. Freud funda a psicanálise graças às histéricas que lhe insinuam um gozo impossível. O mal-estar da cultura pós-moderna é mais complexo, os sintomas subjetivos se pulverizaram no disfarce coletivo, parecendo que “estamos todos bem”, tal como auto-enganava o personagem de Marcelo Mastroianni, no filme italiano de mesmo nome. O mal-estar pós-moderno é visível e trivial, expressado na linguagem do cotidiano do trabalho compulsivo, muitas vezes vendido como se fosse “lazer” ou “ócio criativo”, que gera stress, a perversão, a depressão, a obesidade, o tédio.
Em termos de patologia social, a modernidade fez surgir coisas contraditórias como indústrias e a atitude liberal, a ciência, a tecnologia, a multiplicação da população pobre e de guerras racionais. A pós-modernidade marca o declínio da Lei-do-Pai, cujo efeito mais imediato no social é a anomia, onde a perversão se vê livre para se manifestar em diversas formas, como na violência urbana, no terrorismo, nas guerras ideologicamente consideradas “justas”, “limpas” ou “cirúrgicas”. A razão cínica é cada vez mais instrumentalizada. Isto é, não basta ser transgressivo, ou perverso-imoral, é preciso se construir uma justificativa “moral” para atos imorais ou perversos. Zizek (2004) cita o escabroso caso dos necrófilos, nos EUA, que se julgam no “direito” de fazer sexo com cadáveres. Ou seja, qualquer cadáver é “um potencial parceiro sexual ideal de sujeitos ‘tolerantes’ que tentam evitar toda e qualquer forma de molestamento: por definição, não há como molestar um cadáver”.
Na pós-modernidade a perversão e o estresse são sintomas resultados da falta-de-lei, da falta-de-tempo, e da falta-de-perspectiva de futuro, porque tudo se desmoronou (do muro de Berlin a crença nos valores e na esperança). “Tudo se tornou demasiadamente próximo, promíscuo, sem limites, deixando-se penetrar por todos os poros e orifícios”, diz Zizek.
Nossa sociedade é regida mais do que pela ânsia de “espetáculo”; existe a ânsia de prazer a qualquer preço, não made in id [Isso] mas made in Superego. O superego pós-moderno “tudo vale” e “tudo deve porque pode”. Todos se sentem na obrigação de se divertir, de “curtir a vida adoidado” e de “trabalhar muito para ter dinheiro ou prestígio social”, não importando os limites de si próprio e dos outros. As pessoas se sentem no dever de se vender como se fosse um prazer, de fazer ceia de natal em casa à meia noite, de comemorar o gol que todo mundo está comemorando, de curtir o carnaval nos 3 ou 4 dias, de seguir uma religião, de usar celular sem motivo concreto, de gastar o dinheiro que não têm, de trepar toda noite porque todos dão a impressão de fazê-lo, de fazer cursos e mais cursos, ascender na empresa, escrever mil e um artigos por ano na universidade, enfim, todos parecem viver na “obrigação” de se cumprir uma ordem invisível, e de ser visivelmente feliz e vencedor. O senhor invisível que no manda é o superego pós-moderno; “ele manda você sentir prazer naquilo que você é obrigado a fazer”. E, ai daquele que não consegue, ou que se nega seguir a moral de rebanho, pagará de três modos: será estigmatizado pelos seus pares (“Ele quebrou o código, é um traidor do super-ego pós-moderno!”), ou pagará com um terrível sentimento de culpa ou, ainda, sofrerá os sintomas de uma doença psicossomática.
Não é sem motivo que os lugares de trabalho em que a competição é mais acirrada, onde não existem limites definidos entre trabalho, estudo e lazer, que encontramos pessoas queixosas, infelizes, freqüentemente visitando os médicos e hospitais. Se a modernidade prometia a felicidade através do progresso da ciência ou de uma revolução, a pós-modernidade promete um nada que pretende ser o solo para tudo.

[1] Perry Anderson considera Jameson um sujeito bem à esquerda de qualquer das fuguras incluídas nesse levantamento [p.77].
[2] Anderson, 1999: p. 77.
[3] Cf.: Japiassu, 2001.
[4] Japiassu (op. cit, p. 167 e 182-3) observa que a crença da marcha ascendente da humanidade em direção a um telos (fim), têm inspiração num desígnio traçado e querido por Deus para o bem da humanidade. A idéia de progresso (característica do Ocidente a partir do iluminismo e da Revolução Francesa) remonta às nossas fontes judaico-cristãs. A maioria de outras civilizações vive sem a idéia de progresso. Algumas chegam mesmo a recusar toda crença na historicidade. Para o hiduísmo, por exemplo, o homem não sai do eterno retorno. Para o budismo, o sujeito deve libertar-se dos acontecimentos, portanto da História. O mesmo se aplica ao sujeito da história, por exemplo, para o taoísmo “o único desejo autorizado é não ter desejos” (Cf.: Lao Tsé, em Tao te king) .
[5] Notem que essas ações antigamente – e ainda hoje - são criticadas pela esquerda marxista como “filantropista”, “reformista”, etc.


24 novembro 2008

Dramaturgia - Vapor
Pensar questões de dramaturgia na dança feita hoje nos leva a perceber a impossibilidade de síntese em meio à pluralidade de modos de organizar, compor e representar com o corpo, que dizem respeito ao mundo de hoje. E cada modo, podemos pensar, fala a partir de uma visão ou recorte próprios da percepção deste mundo,seja ele conceituado como ambiente ou sociedade.Assim, o processo de dramaturgia, ou seja, de dar uma certa ordem ao material criado para o olhar dos outros é sempre variável. No caso de Vapor (criação de Helena Bastos Raul Rachou,e co-dramaturgia de Vera Sala, 2007) a dramaturgia se constrói inicialmente na articulação de 3 diferente olhares que partem de um mesmo ponto: o corpo no espaço-tempo é criador de novos e outros sentidos, é um corpomídia, estando em movimento ou não. A dramaturgia nesse modo de conhecer e tratar os signos é algo dado "na carne", ou seja, pelas informações processadas e incorporadas e suas representações relacionadas à presença física do performer (ou bailarino-ator, ou intérprete-criador, ou como quisermos chamá-lo para situá-lo como artista-pesquisador). A dança em Vapor é uma relação entre poderes de manipular e de ser manipulado. É o que alguns filósofos, desde Michel Foucault, estão chamando de biopoder, como nos explica Peter Pál Pélbart no livro "Vida capital: ensaios sobre biopolítica" (São Paulo, Ed. Iluminuras, 2003,) em diversas esferas da sociedade atual. Assim, temos uma primeira dramaturgia que se constrói no jogo de manipulação entre Raul e Helena. Seria fácil pensar algo como que um sacrifício daquele que é manipulado, e repetir a relação entre homem dominante e mulher dominada (e pensar assim não seria incoerente). Mas existem outras coisas aí. Numa breve conversa, Vera esclarece que se trata da configuração de um corpo-objeto a ser manipulado, o que já nos leva a um modelo não-representativo de sentimentos, mas de ações e estados. Para este corpo-objeto, como nos contou Vera, as espirais e as quedas são mais importantes que as expressões faciais e as intensas respirações que facilmente emergem deste tipo de trabalho corporal (a cabeça, aliás, sede e chave deste tipo de representação do humano é não mais que um ponto de contato e ignição para o movimento apassivado, uma cabeça-objeto). As relações tendem a se organizar por formas "vaporosas", com base no treinamento do pilates, aikidô e de técnicas de dança como a de Martha Graham ou a do tango. Por isso, aqui se pode pensar também em outras categorias para o desenrolar das ações, com cada célula de movimento pretendendo construir um sentido a ser refeito, repetido. Não convém pensar em clímax, mas em clímaxes, por exemplo. A estrutura dessa dramaturgia do espetáculo que abriga a dos corpos e sua células de movimentos é também permeada por apagamentos. A obra é inacabada e expõe sua precariedade, sua abertura para o acaso. Na dança, pelo menos desde os experimentos em associação de Merce Cunnigham e de John Cage, a dança-teatro de Pina Bausch, ou ainda do teatro-paisagem (de imagens) de Robert Wilson, temos a configuração de outras formas, poéticas e metodologias para as artes performáticas. Pensar a dramaturgia deste corpo e desta cena tem a ver, dizendo mais uma vez, com o recorte e as re-combinações que serão feitas, de acordo com a necessidade de discussão dos pontos de instabilidade de cada corpo, de cada coletivo. Para além das fronteiras texto-cena, teatro-dança-performance, artista-público, processo-produto, dramaturgo-dramaturgista, cabe à dramaturgia levantar, dar verticalidade e visibilidade a diferentes possibilidades de criação. Para além do bem e do mal.
Nota: 1.Para conhecer mais sobre o conceito copormídia, leia o texto "Por uma teoria do corpomídia" no livro, O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Ed. Annablume, 2005.

30 setembro 2008

todo corpo é corpo mídia
por Helena Katz
Tudo o que surge no mundo, luta para nele permanecer, e o sucesso nessa empreitada depende da capacidade de produzir continuidade. Imerso na atividades de garantir a sua sobrevivência, o corpo humano, uma mistura de determinismos e aleatoriedades, não pode ser concebido fora do tempo, como se fosse algo em si mesmo. Quando James Watson e Francis Crick descobriram, em 1953, a estrutura em dupla hélice do DNA, nos ensinaram que o mistério da vida era habitado por reações químicas. No entanto, a existência dos pares das moléculas adenina-timina e citosina-guanina não soterrou as pseudoexplicações a respeito da vida que não levam em conta a química que regula o corpo.
O desejo de permanecer leva à necessidade de fazer outro a partir de si mesmo, e só pode se realizar porque no mundo onde vivemos, as informações tendem a operar dentro de um processo permanente de comunicação. As informações encostam-se, umas nas outras, e assim se modificam e também ao meio onde estão. Vale destacar a singularidade desse processo, pois transforma todos os nele envolvidos, seja a própria informação, o corpo onde ela encostou e do qual passou a fazer parte, as outras informações que constituíam o corpo até o momento específico do contato com a nova informação, e também o ambiente onde esse corpo (agora transformado) continua a atuar. E, estando já transformado, tende a se relacionar com a nova coleção de informações que passou a o constituir. Então, também altera o seu relacionamento com o ambiente, transformando-o. Contágios simultâneos em todas as direções, agindo em tempo real.
Caso a vida funcione, de fato, em uma estrutura como essa, com o passar do tempo, as trocas permanentes tenderiam, quase como uma conseqüência natural, a borrar os limites de todos os participantes do fluxo, produzindo, então, uma plasticidade não congelada de suas fronteiras. O fato dos territórios epistemológicos estarem muito mais móveis hoje, tanto na ciência quanto na arte, não passa, portanto, de um traço evolutivo.
Os modos de armazenar, tansmitir e interpretar informação não param de se transformar, e a vida torna-se cada vez mais complexa. A certa altura, os processos evolutivos produziram o corpo humano para que a evolução pudesse continuar a se processar. Desde então, esse corpo vem mudando, pois resulta da coleção de informações que o constituem a cada momento. Se as trocas não estancam, pois pertencem ao fluxo permanente, cada corpo está sempre sendo um corpo processual e em co-dependência com as trocas que realiza com os outros corpos e com o ambiente. Por isso, pode-se pensar o corpo como sendo sempre um resultado provisório de acordos contínuos entre os mecanismos que promovem as trocas de informação.
A compreensão da vida como produto e produtora de um mundo em rede dessa natureza marca uma diferença básica. E nela, a hipótese de que os corpos são sempre corposmídia de si mesmos ocupa uma posição central.
Há um fluxo de transformação inestancável e permanente em curso na vida, e ele se chama evolução. Não é direcional e tampouco cumulativo (o que o impede de ser associado à noção de progresso) e apoia-se no movimento para promover as suas ações. O movimento, presente como padrão já no embrião, precisa da relação com o espaço para acontecer como movimento, para se atualizar. Ou seja, é o movimento quem favorece a existência da comunicação.
A noção do corpo como uma construção onde discurso e poder se inscrevem tornou-se moeda forte depois de Foucault. Tratar o corpo como corpomídia tem conseqüências políticas. E a primeira delas pode ser identificada na proposta que tal entendimento de corpo traz: o corpo não é, o corpo está. Não se trata de uma substituição meramente retórica de verbos. A troca do verbo ser pelo verbo estar instaura a transitividade no lugar anteriormente ocupado pela noção de identidade.
A proposta de que todo corpo é corpomídia de si mesmo, isto é, um corpomídia do estado momentâneo da coleção de informações que o constitui, mexe também com o entendimento habitual de mídia. Aqui, mídia não é tratada como sendo um meio de transmissão. Na mídia que o corpomídia emprega, a informação fica no corpo, se torna corpo.
Não se trata da noção de corpo-máquina, onde adentra uma informação que estava fora (no ambiente), a máquina processa e, em seguida, a devolve ao ambiente, em uma seqüência fora-dentro-fora. Ou seja, a teoria corpomídia rejeita o modelo computacional de comunicação.
A mídia do corpomídia, então, identifica um estado do corpo. O corpo é mídia desse seu estado, por isso é sempre mídia de si mesmo, de cada momento dos seus estados. Porque um corpo sempre mostra a si mesmo, o que equivale dizer que ele sempre se apresenta com a coleção de informações que o constituem naquele exato momento.
Por isso, o corpo não é, o corpo está sendo corpo. Melhor dizendo, está sempre sendo corpomídia da evolução.
Helena Katz é professora no programa de pós-graduação em comunicação e semiótica, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Bibliografia:
Durham, W.H. (1991). Coevolution: Genes, Culture and Human Diversity. Stanford: Stanford University Press, 1991.
Foley, Robert (2003). Os Humanos Antes da Humanidade. Uma Perspectiva Evolucionista. São Paulo: Editora Unesp.
Foucault, Michel (2002, 1971). A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola.
Katz, Helena (2005). Um, dois, Três. A Dança é o Pensamento do Corpo. Belo horizonte: FID Editorial.
Mattelard, A. (1997,1994). L‚ invention de la communication. Paris: Edition de la Découverte.Margulis, Lynn (1998, 2001). O Planeta Simbiótico. Rio de Janeiro: Editora Rocco.

28 setembro 2008

Corpografias Urbanas
Paola Berenstein
A cidade é lida pelo corpo como conjunto de condições interativas e o corpo expressa a síntese dessa interação descrevendo em sua corporalidade, o que passamos a chamar de corpografia urbana. A corpografia é uma cartografia corporal (ou corpo-cartografia, daí corpografia), ou seja, parte da hipótese de que a experiência urbana fica inscrita, em diversas escalas de temporalidade, no próprio corpo daquele que a experimenta, e dessa forma também o define, mesmo que involuntariamente (o que pode ser determinante nas cartografias de coreografias ou carto-coreografias7). Faz-se importante então diferenciar cartografia, coreografia e corpografia. A começar pela diferenciação de cartografia do projeto urbano e a partir daí a corpografia tanto da cartografia quanto da coreografia. Uma cartografia já é um tipo de atualização do projeto urbano, ou seja, uma cartografia urbana descreve um mapa da cidade construída e assim muitas vezes já apropriada e modificada por seus usuários. Uma coreografia pode ser vista como um projeto de movimentação corporal, ou seja, um projeto para o corpo (ou conjunto de corpos) realizar, o que implica, como no projeto urbano, em desenho (ou notação), composição (ou roteiro) etc. No momento da realização de uma coreografia, da mesma forma como ocorre com a apropriação do
espaço urbano que difere do que foi projetado, os corpos dos bailarinos também atualizam o projeto, ou seja, realizam o que poderíamos chamar de uma cartografia da coreografia, ao executarem a dança.
Uma corpografia não se confunde, então, nem com a cartografia nem com a coreografia, e também não seria nem a cartografia da coreografia (ou carto-coreografia que expressa a dança realizada) nem a coreografia da cartografia (ou coreo-cartografia, a idéia de um projeto de dança criado a partir de uma pré-existência espacial). Cada corpo pode acumular diferentes corpografias, resultados das mais diferentes experiências urbanas vividas por cada um. A questão da temporalidade e da intensidade dessas experiências é determinante na sua forma de inscrição.

02 março 2008

Turner, Benjamin e Antropologia da Performance:
O lugar olhado (e ouvido) das coisas

por John C. Dawsey - USP


RESUMO
Um exercício aqui se propõe: repensar o lugar olhado das coisas na antropologia da performance.
Isso, a partir de uma audição dos ruídos. O texto se desenvolve tal como um rito de passagem, em três momentos. Iniciamos com um rito de separação, saindo de um lugar (supostamente) familiar: os estudos de Victor Turner sobre ritos e dramas sociais. O movimento nos leva em direção a um lugar menos conhecido, onde nos deparamos, tal como num rito de transição, com os textos de Turner sobre a antropologia da performance e da experiência. Num terceiro momento, ao invés de fazermos um regresso, tal como num rito de reagregação, vamos às margens das margens. No límen da escritura de Turner, com as atenções voltadas aos ruídos, nos vemos em companhia (estranhamente familiar) de Walter Benjamin. Uma premissa se apresenta: os lugares onde um texto se desmancha podem ser os mais fecundos.


PALAVRAS-CHAVE: antropologia da performance, antropologia da experiência, teatro, ritual, ruído.


Turner, Benjamin and the Anthropology of Performance: the place from where things are seen (and heard


ABSTRACT
In the following exercise an attempt is made to rethink the place from which things are seen in the anthropology of performance. This involves ability for hearing noise. The paper unfolds as a sort of rite of passage. One begins with a separation rite, in a supposedly familiar place: Victor Turner’s studies of rites and dramas. Then one journeys into possibly less familiar places, such as in a rite of transition, so as to discuss Turner’s studies in the anthropology of experience and performance. Finally, instead of enacting a rite of incorporation, movement is made towards the margins, or, better, margins of margins. In liminal areas of Turner’s writings, attuned to noises, we find ourselves in the (strangely familiar) company of Walter Benjamin. Perhaps some of the places where texts seem to be coming apart may be the most fertile.


KEY WORDS: anthropology of performance, anthropology of experience, theater, ritual, noise.

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Victor Turner

Um dos momentos mais expressivos para se pensar o surgimento da antropologia da performance ocorre nos anos de 1960 e 1970, quando Richard Schechner, um diretor de teatro virando antropólogo, faz a sua aprendizagem antropológica com Victor Turner, um antropólogo que, na sua relação com Schechner, torna-se aprendiz do teatro. Creio que esse encontro seja particularmente propício para se discutir o tema que se enuncia em subtítulo desta mesa: “abordagens teóricas num campo emergente no Brasil”2. Evocando-se a etimologia da palavra teoria, que, assim como a de teatro, nos remete ao “ato de ver” (do grego thea), o empreendimento teórico sugere algo que poderíamos chamar, tal como Roland Barthes (1990:85) chamou o teatro, de um “cálculo do lugar olhado das coisas”. Daí, o exercício que aqui se propõe: repensar o lugar olhado das coisas na antropologia da performance. Isso, a partir de uma audição dos ruídos.À primeira vista, ao passo que se detecta na obra de Turner um percurso que vai do ritual ao teatro, na de Schechner emerge um movimento contrário, do teatro ao ritual. Na configuração de movimentos contrários e complementares irrompe um dos momentos originários da antropologia da performance. A seguir, pretendo me deter no percurso de Turner. Victor Turner
Convido os leitores (ou ouvintes) a se imaginar, tal como me imagino, em meio a uma espécie de rito de passagem. Iniciamos com um rito de separação, saindo de um lugar (supostamente) familiar: os estudos de Turner sobre ritos e dramas sociais. O movimento nos leva em direção a um lugar menos conhecido, onde nos deparamos, tal como num rito de transição, com um conjunto de escritos ainda não traduzidos de Turner. Nessa experiência de tomb and womb3, de natureza exploratória e não-resolvida – no límen de sua obra –, entra-se em contato com alguns dos textos uterinos da antropologia da performance e da experiência. Um detalhe: a noção de drama social reaparece nesse límen sugerindo a possibilidade do terceiro momento de um rito de passagem, o regresso – num rito de reagregação – ao lugar (estranhamente) familiar. Porém, ao invés de fazermos esse regresso talvez seja mais interessante explorar o límen da escritura de Turner. Aproveitando o impulso de um movimento que nos leva às margens, vamos, então, às margens das margens. Ali, alguns dos ruídos suscitados por textos de Victor Turner podem evocar o pensamento de Walter Benjamin.Uma premissa se apresenta: campos emergentes freqüentemente surgem como manuscritos desbotados. A metáfora de Clifford Geertz é sugestiva. O campo da antropologia da performance pode ser lido como “um manuscrito estranho e desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos” (Geertz 1978:20). Mas, uma das intuições de Turner também pode sugerir uma premissa complementar: os lugares onde um texto se desmancha podem ser os mais fecundos.

Richard Schechner

PRIMEIRO MOMENTO: DO TEATRO AO RITUAL
Nesse primeiro momento do nosso rito de passagem saímos de um lugar supostamente familiar. Deixamos o “velho” – na verdade, jovem – Turner. Nesse lugar, que se configura no redemoinho dos anos cinqüenta, encontramos algumas de suas idéias originárias. O percurso de Turner pode sugerir um esquema evolucionista, do ritual ao teatro. Mas, nos anos de formação de Turner também evidencia-se um movimento contrário, do teatro ao ritual. No princípio, o teatro. Victor Turner, filho de Violet Witter – uma das fundadoras do Teatro Nacional Escocês – toma interesse pelo estudo de rituais. Além disso, inspirando-se numa estética da tragédia grega, ele elabora um conceito de drama social. O modelo de ritos de passagem de Arnold Van Gennep, pressupondo três momentos, desdobra-se no conhecido modelo de drama social de Turner em quatro: ruptura, crise e intensificação da crise, ação reparadora e desfecho.Victor Turner produz um desvio metodológico no campo da antropologia social britânica. A sua sacada foi ver como as próprias sociedades sacaneiam-se a si mesmas, brincando com o perigo, e suscitando efeitos de paralisia em relação ao fluxo da vida cotidiana. Às margens, no límen, se produzem efeitos de estranhamento. Desloca-se o lugar olhado das coisas. Gera-se conhecimento. O antropólogo procura acompanhar os movimentos surpreendentes da vida social. Turner se interessa por momentos de suspensão de papéis, ou interrupção do teatro da vida cotidiana. Em instantes como esses – de communitas – as pessoas podem ver-se frente a frente como membros de um mesmo tecido social. Daí, a importância dos dramas sociais, e dos rituais que os suscitam (através de rupturas socialmente instituídas) ou deles emergem (como expressões de uma ação reparadora). No espelho mágico dos rituais, onde elementos do cotidiano se reconfiguram, recriam-se universos sociais e simbólicos.4


SEGUNDO MOMENTO: DO RITUAL AO TEATRO
A seguir, o segundo momento de nosso rito de passagem. Aqui nos deparamos com um conjunto de textos exploratórios, pouco traduzidos, onde se encontram esboços de uma antropologia da performance e da experiência. São esses possivelmente os escritos menos conhecidos de Turner. Duas possíveis leituras desse momento na obra do autor se sugerem, ambas características de um rito de transição. Por um lado, a diminuição de vitalidade do pesquisador (a experiência de tomb): o distanciamento em relação ao trabalho etnográfico. Por outro, um renascimento (womb): Turner se permite correr novos riscos. Questiona-se. Interesses que se alojam em substratos de sua experiência afloram. Ganham força. Daí, a passagem do ritual ao teatro. E o encontro de Turner com Richard Schechner. Há indícios dessa inflexão na antropologia de Turner no prefácio de Dramas, Fields and Metaphors (Dramas, Campos e Metáforas), publicado em 1974, onde se discute a noção do “liminóide”. Mas, os seus desdobramentos mais expressivos, onde se configuram a antropologia da performance e da experiência, aparecem nos anos de 1980, com a publicação de From Ritual do Theatre: the human seriousness of play (Do Ritual ao Teatro: a seriedade humana da brincadeira), em 1982, e de dois textos póstumos: The Anthropology of Performance (A Antropologia da Performance), em 1987, e “Dewey, Dilthey and Drama: an essay in the anthropology of experience” (“Dewey, Dilthey e Drama: um ensaio em antropologia da experiência”), em 1986. Evidencia-se nesses trabalhos uma premissa de fundo: a antropologia da performance é uma parte essencial da antropologia da experiência (Turner 1982:13). Através do processo de performance, o contido ou suprimido revela-se – Wilhelm Dilthey usa o termo Ausdruck, de ausdrucken, “espremer”. Citando Dilthey, Turner descreve cinco “momentos” que constituem a estrutura processual de cada Erlebnis, ou experiência vivida: 1) algo acontece ao nível da percepção (sendo que a dor ou o prazer podem ser sentidos de forma mais intensa do que comportamentos repetitivos ou de rotina); 2) imagens de experiências do passado são evocadas e delineadas – de forma aguda; 3) emoções associadas aos eventos do passado são revividas; 4) o passado articula-se ao presente numa “relação musical” (conforme a analogia de Dilthey), tornando possível a descoberta e construção de significado; e 5) a experiência se completa através de uma forma de “expressão”. Performance – termo que deriva do francês antigo parfournir, “completar” ou “realizar inteiramente” – refere-se, justamente, ao momento da expressão. A performance completa uma experiência (Turner 1982:13-14).


Wilhelm Dilthey
A figura de Dilthey aqui lampeja como uma espécie de espírito ancestral. Tal como num rito de cura, Turner nela encontra formas de lidar com a crise de nossa época: a dificuldade de significar o mundo. A seguir, alguns comentários pontuais a respeito das três publicações acima citadas.From Ritual do Theatre: the human seriousness of play (1982).
No primeiro capítulo, intitulado “Liminal to liminoid, in play, flow, ritual: an essay in comparative symbology” (“Liminar ao liminóide, em brincadeira, fluxo, ritual: um ensaio em simbologia comparada”), delineiam-se as idéias de Turner a respeito do impacto da Revolução Industrial sobre os gêneros de ação simbólica. Sociedades industrializadas produzem em relação aos processos de significar o mundo uma espécie de revolução copernicana. Provoca-se o descentramento e a fragmentação da atividade de recriação de universos simbólicos. Esferas do trabalho ganham autonomia. Como instância complementar ao trabalho, surge a esfera do lazer – que não deixa de se constituir como um setor do mercado. Processos liminares de produção simbólica perdem poder na medida em que, simultaneamente, geram e cedem espaço a múltiplos gêneros de entretenimento. As formas de expressão simbólica se dispersam, num movimento de diáspora, acompanhando a fragmentação das relações sociais. Trata-se de um sparagmos, ou desmembramento. O espelho mágico dos rituais se parte. Em lugar de um espelhão mágico, poderíamos dizer, surge uma multiplicidade de fragmentos e estilhaços de espelhos, com efeitos caleidoscópicos, produzindo uma imensa variedade de cambiantes, irrequietas e luminosas imagens.Nos substratos das novas formas de ação simbólica Turner descobre fontes do poder liminar. Em relação às formas liminares, as liminóides evidenciam duas características: 1) elas ocorrem às margens dos processos centrais de produção social (nesse sentido elas são menos “sérias”); e 2) elas podem ser mais criativas (e, até mesmo, subversivas).
“Dewey, Dilthey and Drama: an essay in the anthropology of experience” (1986).
Intriga-me ver como a metanarrativa desse ensaio de Turner ilumina uma forma dramática. O período histórico que se inicia com a revolução industrial aparece, nos substratos do texto, como drama social. Algumas das idéias encontradas em From Ritual to Theatre retornam. A Revolução Industrial sinaliza um momento de “ruptura”. A dificuldade liminóide de significar o mundo evidencia a “crise e intensificação da crise”. Uma “ação reparadora” se enuncia no próprio título do texto: “Dewey” e “Dilthey” – autores que iluminam a categoria da experiência – e “drama social”, conceito elaborado por Turner nos anos de 1950, e que aqui serve para evocar as fontes de poder liminar. Nesse contexto, onde se discute a categoria de experiência vivida (Erlebnis) de Dewey e Dilthey, essa ênfase no drama social chama atenção. Haveria em Turner a nostalgia por uma experiência que se expressa melhor na noção de Erfahrung do que na de Erlebnis? Ou seja, haveria nesse autor uma nostalgia por uma experiência coletiva, vivida em comum, passada de geração em geração, e capaz de recriar um universo social e simbólico pleno de significado? O “desfecho” do artigo vem ao estilo do “velho” (jovem) Turner: o teatro e outros gêneros liminóides de performance podem suscitar experiências de communitas. O autor escreve: “Um senso de harmonia com o universo se evidencia e o planeta inteiro é sentido como uma communitas” (Turner 1986:43).Mas, talvez o que chame mais atenção seja um ruído que ocorre pouco antes desse desfecho. Turner comenta que o ritual e as artes performativas derivam do cerne (“coração”) liminar do drama social – até mesmo, como acontece freqüentemente em “culturas declinantes”, onde “o significado é de que não há significado” (Ibid: 43). No âmbito de uma experiência capaz de recriar universos sociais plenos de significado, lampeja uma visão de terra arrasada. As culturas do período posterior à Revolução Industrial se apresentam como “declinantes”. O significado anula-se a si mesmo, sinalizando a sua própria ausência. A contrapelo de um desfecho otimista, e do entusiasmo do autor, se produz um ruído com efeitos de interrupção no fluxo da narrativa. Não seria esse ruído uma expressão da cautela de Turner em relação às experiências de communitas em “culturas declinantes”?


The Anthropology of Performance (1987).
Em um capítulo que leva o mesmo título da coletânea, Turner evoca uma distinção feita por Chomsky entre “competência” e “performance” (Turner 1987a:76). “Competência”, nesse contexto, se refere ao domínio sobre as regras subjacentes a uma língua: a sua gramática. A citação – que aqui surge possivelmente como uma des-leitura (criativa) em meio a uma polêmica com o estruturalismo – serve para ressaltar uma característica que Turner associa aos estudos de performance: a atenção aos elementos estruturalmente arredios. Tais estudos se interessam por agramaticalidades, atos falhos, elipses, hesitações, incoerências, erros e ruídos. Uma questão se coloca: o que dizer do ruído do próprio Turner que encontramos em “Dewey, Dilthey and Drama...”?

TERCEIRO MOMENTO: ÀS MARGENS DAS MARGENS (COM BENJAMIN)
Chegamos ao terceiro momento de nosso rito de passagem. Seria o momento do rito de reagregação, ou retorno a um lugar (estranhamente) familiar. Nos escritos de Turner esse movimento parece se sugerir através de um retorno constante da noção de drama social nas discussões. Aqui, porém, para fins de dizer algo sobre o ruído de Turner tomamos outro rumo. Isso, tendo em mente uma característica do mesmo autor: a sua atenção, como vimos, aos elementos estruturalmente arredios. E o olhar que vem das margens. Vamos, então, às margens das margens.Ao se fazer esse deslocamento, talvez nos vejamos em companhia estranha (ou, de novo, estranhamente familiar). Chama atenção, nesse límen do límen, um conjunto de afinidades entre a antropologia de Victor Turner e o pensamento de Walter Benjamin.5 Menciono três. 1) Ambos os autores fazem uma espécie de arqueologia da experiência. Ao explorar os substratos de culturas contemporâneas, Turner encontra a experiência liminar. Benjamin se depara com a grande tradição narrativa, onde se forma uma experiência coletiva – Erfahrung (“do radical fahr – usado ainda no antigo alemão no seu sentido literal de percorrer, de atravessar uma região durante uma viagem”) (cf. Gagnebin 1994:66). 2) Turner discute o enfraquecimento da experiência liminar, ou, como se pode inferir, o estilhaçamento do “espelho mágico” do ritual. Benjamin discute o declínio da grande tradição narrativa e, no estilhaçamento da tradição, o empobrecimento da experiência. 3) Nos novos gêneros de ação simbólica Turner descobre fontes do poder liminar. Nas novas formas narrativas Benjamin encontra indícios da grande tradição narrativa: o seu não-acabamento essencial e abertura às múltiplas possibilidades. Uma experiência com o passado, de onde irrompem esperanças ainda não realizadas, abre-se a partir da atenção aos ruídos.O pensamento benjaminiano emerge possivelmente como um bom guia para explorar os ruídos de Turner. Isso, pelo modo como nele se reforçam algumas das desconfianças do próprio Turner em relação aos desfechos harmonizantes, e às manifestações efusivas de communitas na experiência contemporânea. Tais desfechos, com seus efeitos de esquecimento, não correriam o risco de suprimir os ruídos?Uma audição dos ruídos não deixa de sugerir alguns desdobramentos. Uma “descrição densa” possivelmente adquire as qualidades de uma descrição tensa.6 Nas histórias que balineses e outros narradores contam para si sobre eles mesmos, ouvem-se os ruídos de elementos suprimidos. Lampejam imagens de uma memória involuntária (Benjamin 1995:106). E, depara-se, talvez, com um dos “segredos do bricoleur: os restos e as sobras de estruturas simbólicas que lhe são mais preciosas permanecem às margens de sua obra, escondidos nas dobras da cultura, em testemunho do inacabamento de suas ‘soluções’, configurando um acervo de coisas boas para fazer pensar”.7

REPENSANDO O LUGAR OLHADO (E OUVIDO) DAS COISAS NA ANTROPOLOGIA DA PERFORMANCE
A partir dos ruídos de um campo emergente, alguns deslocamentos do lugar olhado (e ouvido) das coisas podem se sugerir. Isso, tendo-se em vista a intuição auditiva de Victor Turner: as esperanças de uma formação cultural podem se encontrar nos ruídos. Algumas questões se apresentam:
1. Um duplo deslocamento: às margens das margens. Considerando-se que a experiência de communitas tende a irromper às margens, o ruído produzido por Turner não seria proveniente de um duplo deslocamento, às margens das margens?
2. Um duplo efeito de estranhamento: em relação ao cotidiano e ao extraordinário também. Considerando-se que a experiência de communitas surge de um efeito de estranhamento que se produz em relação ao cotidiano, o ruído poderia suscitar um efeito inverso ao mesmo tempo – o estranhamento em relação ao extraordinário?
3. Um extraordinário cotidiano e cotidiano extraordinário. A questão talvez seja essa: o cotidiano não poderia ser tão ou mais espantoso quanto o extraordinário? Nesse caso, talvez seja preciso articular as abordagens de Erving Goffman, que se interessa pelo teatro da vida cotidiana, e de Victor Turner, que procura captar os momentos de interrupção, ou meta-teatro, para se falar de um meta-teatro cotidiano. Walter Benjamin escreve: “A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ é a regra” (1985b:226).
Aqui também emerge uma pergunta de rodapé (virando texto): seriam determinadas manifestações liminóides – com destaque aos ruídos que ocorrem às “margens das margens” dos processos centrais – mais fiéis, “em sua dimensão mais profunda”, ao legado da experiência liminar do que certas tentativas de reviver uma experiência de communitas em meio ao esfacelamento das relações?8

PARFOURNIR?
De acordo com Victor Turner, como vimos, a experiência se completa através de uma forma de “expressão”. Performance – termo que deriva do francês antigo parfournir, “completar” ou “realizar inteiramente” – refere-se, justamente, ao momento da expressão. A performance completa uma experiência. Porém, o que se entende por completar? Essencial à performance – e, aqui, também recorremos a Turner – é a sua abertura. Ou, em outros termos, o seu não-acabamento essencial. Daí, a sua atenção aos ruídos.
John Cowart Dawsey é professor associado (livre-docente) do Departamento deAntropologia da Universidade de São Paulo e coordenador do Núcleo de Antropologiada Performance e do Drama (Napedra) na mesma instituição.

NOTAS


1 Uma versão deste artigo foi apresentada na mesa-redonda “Do Ritual à Performance: Abordagens teóricas num campo emergente no Brasil”, coordenada por Esther Jean Langdon na 25ª Reunião Brasileira de Antropologia (Goiânia, 13/06/2006). Mariza Peirano e Maria Laura Cavalcanti foram as outras participantes do evento. A ementa da mesa sublinhava que, “na reconfiguração do pensamento social contemporâneo, o campo da performance se apresenta como espaço interdisciplinar importante para a compreensão de gêneros de ação simbólica. A antropologia da performance, que surge nas interfaces de estudos do ritual e do teatro, amplia questões clássicas do ritual para tratar um conjunto de gêneros performativos encontrados em todas as sociedades do mundo globalizado, incluindo ritual, teatro, música, dança, festas, narrativas, cultos, manifestações étnicas, movimentos sociais, e encenações da vida cotidiana. No encontro com questões de performance e performatividade, os próprios estudos de ritual se renovam. O objetivo desta proposta de mesa-redonda é propiciar uma oportunidade para reflexão sobre diferentes abordagens e recortes conceituais no campo da antropologia da performance, com destaque às relações entre performance e ritual. Assim, propõe-se um diálogo entre pesquisadores que se inspiram nos trabalhos de Victor Turner, Richard Schechner, Stanley Tambiah, e Richard Bauman, entre outros, para fins de explorar possíveis desdobramentos analíticos do campo, e situar um universo de problemas pertinentes na literatura”. Algumas das formulações deste trabalho se inspiram em texto publicado na Cadernos de Campo (Dawsey 2005a).


2 N.E.: Ver nota 1 acima.


3 “Túmulo e útero”, um jogo de palavras recorrente nos textos de Turner.


4 Trata-se de uma metáfora recorrente nos escritos de Turner. Ver, por exemplo, Turner 1987b:22. Em outro texto escrevi: “Experiências de liminaridade podem suscitar efeitos de estranhamento em relação ao cotidiano. Enquanto expressões de experiências desse tipo, performances rituais e estéticas provocam mais do que um simples espelhamento do real. Instaura-se, nesses momentos, um modo subjuntivo (‘como se’) de situar-se em relação ao mundo, provocando fissuras, iluminando as dimensões de ficção do real – f(r)iccionando-o, poder-se-ia dizer – revelando a sua inacababilidade e subvertendo os efeitos de realidade de um mundo visto no modo indicativo, não como paisagem movente, carregada de possibilidades, mas simplesmente como é. Performance não produz um mero espelhamento. A subjuntividade, que caracteriza um estado performático, surge como efeito de um ‘espelho mágico’” (Dawsey 2006: 136).


5 As aberturas para uma antropologia benjaminiana tornam-se expressivas nos estudos de Michael Taussig. Cf. Taussig (1980, 1986, 1993).


6 A idéia de uma descrição tensa é desenvolvida a partir do conceito de Walter Benjamin de imagem dialética. O ato etnográfico poderia então ser definido como a busca por uma “‘descrição tensa’, carregada de tensões, capaz de produzir nos próprios leitores um fechar e abrir de olhos, uma espécie de assombro diante de um cotidiano agora estranhado, um despertar” (Cf. Dawsey 1999:64).


7 A elaboração inicial dessa idéia se encontra em Dawsey (2005b:31).


8 Estou parafraseando a frase de Jeanne Marie Gagnebin, que, numa análise do ensaio benjaminiano sobre “a obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”, escreve: “Essas tendências ‘progressistas’ da arte moderna, que reconstroem um universo incerto a partir de uma tradição esfacelada, são, em sua dimensão mais profunda, mais fiéis ao legado da grande tradição narrativa que as tentativas previamente condenadas de recriar o calor de uma experiência coletiva (‘Erfahrung’) a partir das experiências vividas isoladas (‘Erlebnisse’)”. Ela completa: “Essa dimensão, que me parece fundamental na obra de Benjamin, é a da abertura”. Cf. Gagnebin 1985:12; Benjamin 1985a:165-196.

Artigo: http://www.ibict.br/oasis.br/index.php/record/view/104230

24 fevereiro 2008

FUGA, palavras do diretor


Norberto Presta


PROVOCACIÓN 3

Puede aparecer como fuera de tiempo proponerles esta tercera provocación para continuar con nuestro espectáculo aparentemente terminado, terminado en el sentido de que ya se encontró con el público, ahora ya es un producto, pero que confío podamos aún mejorar y nos permita crecer.Las dos provocaciones anteriores tenían el propósito de construir Fuga! y esta tercera propone que el trabajo realizado hasta ahora no se transforme en una construcción, que no nos limitemos al producto que será repetido como tal, como manufactura reproducida, como un objeto – tal vez artístico – cerrado, finito. Fuga! fue propuesto como territorio de pesquisa y una vez creado el territorio nos toca continuar a explorarlo, a explorar, a explorarnos en él.Lo creado hasta ahora es la base para comprender un modo de estar en escena, como estar en el espacio escénico, no en el espacio escénico predeterminado por las leyes de un teatro establecido, sino en el espacio como territorio que nosotros mismos hemos creado, con las leyes que están por ser descubiertas. Nuestras leyes para nuestro territorio. Esta tercera provocación se concentra en el modo de “accionar” nuestro modo de ser en Fuga!Es necesario que ahora que “la creación” se confronta con el público, profundicemos este estar en escena que ese espacio entre el teatro y la danza - o del no teatro no danza - nos propone.Un modo de ser en escena, más que de hacer de ser, ser en el hacer.Desde hace años me pregunto en que concentrarse cuando estoy en escena, esa pregunta la vengo proponiendo también a los actores con quienes trabajo y también en la actividad pedagógica, ¿en qué concentrarse?, ¿en qué ocuparse? La conciencia de esta pregunta me permite organizar mi trabajo. Espero que también pueda ayudar a ustedes para orientar nuestra pesquisa.

CLARICE LISPECTOR. “Quando a arte é boa é porque tocou no inexpresivo, a pior arte é a expressiva”.¿Cómo entender esta frase de Clarice Lispector? ¿Es solo una provocación? ¿No aparece contradictorio hablar de un arte inexpresivo?¿“A pior arte é a expresiva”?.También es Clarice que escribe, “O perigo de meditar é o de sem querer começar a pensar, e pensar já não é meditar, pensar guia para um objetivo”.Si me es permitido juntar estos dos pensamientos de Clarise Lispector puedo llegar a la conclusión de que el peligro de actuar y/o danzar es el de sin querer comenzar a expresar, porque cuando el artista comienza a expresar deja de accionar en relación al objeto de su arte, interrumpe la acción para dar lugar a la expresión de la forma. La expresión de la forma congela la posibilidad de que la emoción y el pensamiento aparezcan, surjan para continuar a transformar/se, a vivir incontaminados de las formas expresivas que en sus representaciones vacías fosilizan la acción. Expresiones banales de sentimientos y/o ideas detienen el flujo de la acción, interrumpe la ocupación/concentración del performer que son las de su accionar, accionar que sí puede producir emoción y pensamiento en un único estado de presencia, presencia del ser, no del mostrar.Supongo que Clarise Lispector nos dice que la peor arte es la expresiva porque un arte de ese tipo no nos deja tocar lo invisible, lo que está más allá de toda voluntad de ser definido. El arte cuando es arte toca lo inexpresivo porque toca el misterio, lo que está por venir. “Nada es sin devenir” escribía Hegel. El arte, cuando es arte, anuncia, abre posibilidades, es una línea de fuga. El arte cuando lo es, es devenir.En nuestra tarea de performadores la transformación pasa fundamentalmente por el trabajo con el cuerpo, es física, es físico – psíquica, y es el movimiento el que posibilita nuestro devenir.

MOVIMIENTO. Movimiento es mover la musculatura, mover los huesos, abrir las articulaciones, tocar el sistema nervioso, pero no solo para crear un virtuosismo. En el trabajo sobre el movimiento tenemos el objetivo de movilizar, despertar una presencia. No todo tipo de trabajo permite una presencia físico-psíquica que respete la unidad de la presencia del performer. Me interesa un tipo de trabajo, de entrenamiento a través del movimiento que incorpore la totalidad del individuo. Se trata de recuperar una presencia no fraccionada. ¿Orgánica?A partir de posiciones e impulsos que rompen la inercia y liberan, descubren los movimientos que ya están en nosotros, consintiéndoles fluir, podemos crear un estado de conciencia físico – psíquico que nos permite abrir espacios interiores, es como ir descubriendo una casa desconocida que transitamos atentos a las memorias, señales que el tiempo dejó en ella, nos movemos en ellas con una curiosidad que nos impulsa a abrir todos los espacios, redescubriendo a cada paso la identidad de las habitaciones que habitamos y lentamente nos habitan. Se establece una relación, mas interesante es la casa mas entramos en ella, mas nos dilatamos en ella.El flujo de impulsos que provocan movimientos no tiene un objetivo, - tal vez simplemente un estado de curiosidad - es movimiento puro el que ilumina las presencias del actor/bailarín, que limpian, que profundizan, que purifican.“O perigo de meditar é o de sem querer começar a pensar, e pensar já não é meditar, pensar guia para um objetivo”, escribe Clarise. Cuando meditamos no pensamos, pero la meditación limpia, profundiza, purifica el pensamiento.El movimiento no es acción, no tiene objetivo.El peligro del movimiento es el de sin querer comenzar a accionar, y accionar ya no es moverse, accionar guía hacia un objetivo. Así como la meditación facilita abrir otras regiones de pensamiento, otro modo de pensar, el movimiento puede abrir otras regiones del cuerpo que encierran acciones jamás “pensadas”, regiones de nuestras posibles presencias físicas a las cuales no llegaríamos sin transitarlas a través del movimiento que relaciona, toca, abre, despierta aquello que está dentro de nosotros y que hasta ese momento no se revelaba, no se “iluminaba”.Temo que si nos limitamos solo a una concepción muscular – ósea del movimiento, acabaremos teniendo una visión mecánica del cuerpo. El cuerpo es sí una máquina, pero una máquina humana, compleja. Uno de los elementos de su complejidad es el nivel emocional. Es una máquina que siente.No le pido al actor o al bailarín que sienta o que sienta el cuerpo, le pido que lo escuche. Tampoco le pido que no sienta, simplemente le pido que escuche, perciba lo que sucede permitiendo que suceda. No le pido sentir en el sentido de activar sentimientos, le pido que escuche los impulsos que provocan el movimiento, que los escuche físicamente dejándolos fluir. Sentir sentimientos no es nuestra tarea, esa puede ser una consecuencia de nuestra tarea. No se trata de imponerle al cuerpo sentimientos, emociones preestablecidas mentalmente, se trata de liberar el movimiento que nace de las necesidades físicas, haciendo que la danza interior que nos pertenece aparezca.Cada uno de nosotros tiene una música que nos ocupa, una música que se transforma en el tiempo y marca el ritmo, da el color a nuestra presencia, es una música que podemos escuchar físicamente y que podemos variar, que nos puede mover llevándonos a través de la casa de nuestras memorias, en el mundo de nuestras sensaciones. El movimiento puede entonces despertar emoción, tal vez un sentimiento que no es definible racionalmente.Para crear una trascendencia en este fluir solo tenemos que evitar parar para expresar lo que estamos sintiendo y continuar con nuestra curiosidad sin interrumpir los distintos niveles de relación, continuando la interacción con nosotros mismos, con el espacio y con los otros.Cuando nos movemos liberándonos de cualquier especulación “expresiva”, conseguimos un estado de conciencia, de percepción de la realidad. Percibir el cuerpo como un contenedor de emociones, pensamientos, memorias [1], sentimientos. Es así como un movimiento puro puede producir emoción que no se detiene en si misma sino que permite reconocer las presencias, las personalidades que nos habitan y que habitamos.

ACCIÓN. Se trata de arte, el arte requiere codificación, los márgenes de la codificación pueden ser más o menos amplios, pero requiere siempre una organización, un pensamiento, un objetivo. El movimiento es una tarea pre – expresiva, puede o no ser codificada, pero no requiere intención, voluntad intelectual; el arte – a mi modo de ver - sí. El arte es una necesidad que busca una forma de manifestarse, es una preocupación – a veces una obsesión - que forja una visión con su consecuente forma.El arte es una acción con un lenguaje que comunica.Para que el movimiento, que nos permite revelar presencias, se transforme en arte, necesita de los márgenes que lo contengan y lo orienten llevándolo a una región de encuentro, de diálogo. A esa región que llamamos espectáculo.

NUEVAMENTE GROTOWSKI. O espetáculo é a centelha que passa entre os dois ensembles: o ensemble dos atores e o ensemble dos espectadores,- dando forma ao espectáculo de modo tal que ataque o arquétipo, atacando o “inconsciente coletivo” dos dois grupos: do grupo dos atores e daquele dos espectadores, formando uma comunidade, análoga aos atos “mistéricos” da pré – história do teatro.


....


- o director consciente coloca en cena os dois ensembles (não só o grupo dos atores), os aproxima reciprocamente, os coloca em conjunção, corpo a corpo, em contato, em co-atuação de modo que a centelha passe (o espetáculo) [2].


Dejemos – al menos en este caso - que el director se ocupe de la codificación de ese encuentro entre los dos ensambles, pertenece a su dramaturgía. Ocupémonos por ahora de la chispa (centelha), que se aloja en lo esencial de nuestro arte, en el cuerpo del actor/bailarín, es su presencia la que produce la chispa.Desde hace años me preocupo de esa presencia. Como actor y como director, en Fuga!, a través del trabajo pre - expresivo propuestos por Jussara y Renato, hemos trabajado profundamente sobre el movimiento, los principios de Klaus Viana y de Lume se encontraron en los cuerpos de los cuatro performer. Sabemos que cada uno de los momentos escénicos del espectáculo tiene una base pre -expresiva que hemos codificado al interno de un contenedor que es el de la dramaturgía de Fuga!, Transformamos el movimiento en acción física intentando no abandonar los principios que dieron origen a los movimientos, es decir que hemos trabajado en esa región de frontera entre el movimiento y la acción.El peligro de hacer el espectáculo como producto es el de olvidar preguntarnos:¿En qué momento y cómo se transforma el movimiento en acción? ¿Cómo sería permanecer fluctuando en ese espacio de frontera que se crea entre el movimiento y la acción? Estas preguntas podrían superar las anteriores; ¿en que concentrase, en que ocuparse cuando se está en escena? De este modo cerraríamos una pregunta abriendo otra nueva.

DRAMTURGÍA DESDE EL ACTOR/BAILARÍN. El trabajo sobre el movimiento puro permite un estado de conciencia que crea una posibilidad de conocimiento, tanto de los límites como de los potenciales de nuestra organización físico - psíquica, una posibilidad de conocimiento que va más allá del propio cuerpo, se extiende a la totalidad del individuo, de las otras presencias y del espacio.El proceso es rizomático. Cuando se corta una cebolla para preparar una ensalada, la cebolla se concreta en su función de fruto, pero continúa siendo semilla. Será comida y se transformará en otra cosa, pero la unidad de su “ser” no se pierde en la ejercicio de alguna de sus distintas funciones. Solo vienen acentuados unos u otros de los elementos según el momento del desarrollo de su existencia, pero cebolla fruto o cebolla semilla, cebolla en transformación o cebolla en el espacio entre fruto y semilla, es siempre cebolla.La acción es aquel movimiento que no pierde su naturaleza de semilla y que es fruto cuando asume un objetivo, genera una conciencia de si mismo para alimentar, transformar, devenir, accionar dentro de parámetros, voluntades, deseos establecidos. El movimiento se transforma en acción cuando se crea un contenedor para trascender en la relación con el otro y con el espacio.El movimiento permite al performer descubrir sus presencias, esa presencia tiene que ver con un modo de estar en escena, la práctica de aquí y ahora pasa a ser una actividad física, concreta, se trata de no estar más atrás ni más delante de la acción, de no estar fuera de la necesidad de los impulsos disparados por el propio cuerpo, o recibidos por los otros cuerpos en el espacio, o por el propio espacio. Los impulsos llegan, solo esperarlos y reaccionar, responder. Escuchar y responder. Grotowski decía algo como que impulso y acción son una sola cosa, suceden en el mismo momento. Organicidad es no adelantarse ni dejar pasar ese impulso, ese estar, ese escuchar nos da la presencia, un estado de conciencia para estar en escena.El actor/bailarín “es” cuando es en su presencia y su presencia se revela en su accionar, - no en su mostrar, no en su expresar – “es” en el accionar.En la organización de su accionar el actor/bailarín “opina su arte”, crea su momento escénico. Es en la danza de los impulsos que crea la secuencia de acciones físicas, es en ese espacio entre el movimiento y la acción donde nace la dramaturgía del performer.Un espacio de frontera en donde percibimos la presencia del tiempo en nuestros cuerpos y también la conciencia del tiempo en nuestra razón. Nos aproximamos a la una unidad aparentemente perdida, presencia en el cuerpo y conciencia de ser en la razón. Al menos nos aproximamos a la búsqueda de esa unidad que vivimos de modo orgánico, natural en nuestra vida cotidiana pero que difícilmente logramos como actores y/o bailarines usando nuestro cuerpo extracotidiano.

Dualidad cuerpo cotidiano / cuerpo extra cotidiano. Dualidad vida / arte.Superar este modo de pensar / vivir -dualidad- no solamente de modo conceptual sino también en la práctica – dualidad concepto/práctica -. Superación del concepto cuerpo cotidiano/ cuerpo extracotidiano.Brisa, una actriz de Barão Geraldo, cuenta que esperando a una amiga en la calle observó un árbol que perdía sus flores y para ella fue un momento de arte. Artistas que colocan objetos comunes y cotidianos fuera de contexto proponiéndolos como objetos de arte. Hace años que quiero colgar en el jardín de mi casa un marco y una silla para resaltar algún ángulo que me “dice algo”, que me emociona de algún modo creando así una región de encuentro, un espacio para compartir.Emoción y pensamiento, ¿dualidad?Puede ser que como mentalidad nuestra cultura esté intentando superar, al menos en algo ese dualismo maniqueísta que caracterizó y sigue caracterizando tanto el pensamiento occidental y cristiano – el mal/el bien. Me gustaría imaginarme la posibilidad no solo de superar ese maniqueísmo sino también el dualismo que lo provoca, al menos pensando esta posibilidad en un plano artístico y más precisamente en el teatro.Llevar la experiencia de vida a la experiencia artística, pasar del cuerpo cotidiano al cuerpo extra cotidiano, no como ruptura sino como un punto de encuentro, como una ruptura de la dualidad, un entre que revalorice la vida en arte superando vida – arte como dualidad.Superar el manierismo de los cuerpos no cotidianos que repiten de modo inorgánico, impersonal, matrices, clichés de comportamientos físicos en escena, repiten un cierto modo de danzar, un cierto modo de actuar que limita el flujo de la personalidad y/o de las “presencias conservadas en el performador”.Tanto en la vida como en el arte se puede entrar en ellas incorporando los modos establecidos, se puede aprende a hacer las cosas como nos vienen presentadas, como un adolescente que observa el mundo de los adultos intentando asumir los comportamientos de estos para incorporarse a este de modo correcto, sin cuestionarlos, sin experimentarlos.También se puede por oposición, como un adolescente que entre en conflicto con este modo de hacer ya establecido y quiere crear el propio, un propio modo de ser, de vivir.Se puede también asumir la experiencia de los adultos transformándola en una nueva experiencia de vida, no como negación sino como transformación.Podemos intentar crear nuestro propio territorio y nuestras propias leyes sumándonos al devenir de una historia que contiene muchas líneas de fuga.

Norberto Presta. Febrero 2008.

[1] "O corpo tem uma memória muito aguçada, muito presente, registra tudo que acontece na vida do indivíduo, e esse registro permanece para sempre". (Klaus Vianna)

[2] Pag.60 "O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959 – 1969”. Edições SESCSP.

Artigo: http://norbertopresta.blogspot.com/2008/02/provocacin-3.html

20 fevereiro 2008

Autopoiese, cultura e sociedade

por HUMBERTO MARIOTTI

Humberto Maturana

A noção de autopoiese já ultrapassou em muito o domínio da biologia. Hoje, ela é utilizada em campos tão diversos como a sociologia, a psicoterapia, a administração, a antropologia, a cultura organizacional e muitos outros. Essa circunstância transformou-a num importante instrumento de investigação da realidade. Há tempos, seus criadores, os cientistas chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, propuseram a seguinte questão: até que ponto a fenomenologia social pode ser considerada uma fenomenologia biológica? Este ensaio procura respondê-la, ou pelo menos encaminhá-la. Antes disso, porém, é necessário resumir alguns dos conceitos básicos desenvolvidos por esses dois autores.


Francisco Varela (1946 - 2001)


Autopoiese

Poiesis é um termo grego que significa produção. Autopoiese quer dizer autoprodução. A palavra surgiu pela primeira vez na literatura internacional em 1974, num artigo publicado por Varela, Maturana e Uribe, para definir os seres vivos como sistemas que produzem continuamente a si mesmos. Esses sistemas são autopoiéticos por definição, porque recompõem, de maneira incessante, os seus componentes desgastados. Pode-se concluir, portanto, que um sistema autopoiético é ao mesmo tempo produtor e produto.Para Maturana, o termo "autopoiese" traduz o que ele chamou de "centro da dinâmica constitutiva dos seres vivos". Para exercê-la de modo autônomo, eles precisam recorrer a recursos do meio ambiente. Em outros termos, são ao mesmo tempo autônomos e dependentes. Trata-se, pois, de um paradoxo. Essa condição paradoxal não pode ser bem entendida pelo pensamento linear, para o qual tudo se reduz à binariedade do sim/não, do ou/ou. Diante de seres vivos, coisas ou eventos, o raciocínio linear analisa as partes separadas, sem empenhar-se na busca das relações dinâmicas entre elas. O paradoxo autonomia-dependência dos sistemas vivos é melhor compreendido por um sistema de pensamento que englobe o raciocínio sistêmico (que examina as relações dinâmicas entre as partes) e o linear. Eis o pensamento complexo, modelo proposto por Edgar Morin.Maturana e Varela utilizaram uma metáfora didática para falar dos sistemas autopoiéticos que vale a pena reproduzir aqui. Para eles, trata-se de máquinas que produzem a si próprias. Nenhuma outra espécie de máquina é capaz de fazer isso: todas elas produzem sempre algo diferente de si mesmas. Sendo os sistemas autopoiéticos a um só tempo produtores e produtos, pode-se também dizer que eles são circulares, ou seja, funcionam em termos de circularidade produtiva. Para Maturana, enquanto não entendermos o caráter sistêmico da célula, não conseguiremos compreender os organismos.Reafirmo que esse entendimento só pode ser bem proporcionado por meio do pensamento complexo. No entanto, vivemos em uma cultura formatada pelo pensamento linear. Esse fato tem resultado em conseqüências importantes, algumas delas muito graves, como veremos a seguir.

06 janeiro 2008

Pensando os fenômenos psicológicos: um ensaio esquizoanalítico

Psychological phenomena: a schizoanalitic essay

RESUMO
O artigo se apropria de algumas idéias e conceitos da teoria esquizoanalítica e os utiliza para repensar os fenômenos psicológicos e a própria realidade. A idéia de devir, a concepção de subjetividade, de inconsciente, de desejo, de rizoma, de agenciamento, de multiplicidade, de vozes de poder, de saber e de auto-referência, etc. são alguns elementos tomados de empréstimo da esquizoanálise para conferir um entendimento renovado aos denominados fenômenos psicológicos. A partir da discussão inspirada pelo aporte teórico das multiplicidades buscaram-se novas possibilidades para conceber tais fenômenos e a própria realidade, de modo que as dimensões éticas e políticas se façam indissociáveis do compromisso de emancipar e enriquecer a vida humana.
Palavras-chave: fenômenos psicológicos, esquizoanálise, realidade.
ABSTRACT
The article makes use of some ideas and concepts from the schizoanalitic theory to rethink psychological phenomena and the reality itself. Concepts related to becoming, subjectivity, unconsciousness, desire, ryzoma, agency, multiplicity, power voices, knowledge and self-reference are some of the elements taken from schizoanalysis to renew the understanding of psychological phenomena. The multiplicity theory contributed to a discussion which started the search for new possibilities to understand such phenomena and the reality itself, where the ethical and political dimensions shall never be apart from the commitment to emancipate and enrich the human life.
Key words: psychological phenomena; schizoanalysis; reality.
Roberta Stubs Parpinelli
Psicóloga. Discente do Curso de Especialização em Saúde Mental e Intervenção Psicológica da Universidade Estadual de Maringá.
Edmilson Wantuil Freitas de Souza
Psicólogo. Mestre em Fundamentos da Educação. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá.

01 janeiro 2008

I REUNIÃO CIENTÍFICA DO GT TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS (28.11.05)

O Grupo de Trabalho Territórios e Fronteiras da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (Abrace) realizou I Reunião Científica do GT, nos dias 18 e 19 de novembro de 2005 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). O encontro foi nomeado como ‘Pós-Teatro: Performance, Tecnologia e Novas Arenas de Representação’, em homenagem explícita ao nosso ex-Coordenador Renato Cohen, que assinou artigo homônimo nos Anais do III Congresso da Abrace em Florianópolis (2003). Realizando desejo antigo do GT, a primeira Reunião Científica foi organizada por Rodrigo Garcez, Merle Ivone Barriga e Fábio Salvatti, integrantes do GT e do Grupo de Investigação do Desempenho Espetacular (GIDE), coordenado pelo Professor Doutor Luiz Fernando Ramos, merecidamente parabenizados e agradecidos pela bem sucedida organização do evento.A Reunião reuniu professores, pós-graduandos e pesquisadores da Duke University, LUME, PUC-SP, SENAC, UDESC, UFMG, UnB, UNICAMP, UNIRIO e USP. A programação foi iniciada com Mesa Redonda ‘Novas Arenas de Representação’, quando falaram os Professores Doutores Fernando Pinheiro Villar e Renato Ferracini, com mediação do debate de Luiz Fernando Ramos. À tarde foram apresentadas comunicações com os pós-graduandos Fábio Salvatti, Ivana Barreto, José Renato de Almeida, Mário Piragibe, Merle Ivone e Michelle Nicié. No segundo dia do Encontro, foram apresentadas as comunicações dos pós-graduandos Alex Beigui, Paula Coelho, Rodrigo Garcez e da Professora Doutora Leslie Damasceno. À tarde, os Professores Doutores José da Costa e Lúcio Agra debateram ‘Pesquisando (n)as Fronteiras’, em mesa mediada pelo Professor Dr. Cassiano Quilici. As Professoras Ana Maria Bulhões, Bya Braga, Sandra Meyer, Silvia Balestreri Nunes e Valmor Nini Beltrame, além do pós-graduando Pablo Assumpção tiveram suas comunicações aprovadas mas não puderam estar em São Paulo. Todas as comunicações estão publicadas em edição especial da revista eletrônica Territórios e Fronteiras da Cena, em CD ROM (ISSN 1806-406X).O perfil inclusivo e abrangente do nosso GT abarcou comunicações que abordaram o teatro, dança e/ou performance contemporâneos brasileiros e internacionais e seus interstícios, dobras e relações autopoiéticas com outras artes cênicas e performáticas, artes visuais (estética dos quadrinhos, fotografia), tecnologias (artes midiáticas, artes mediatizadas), ciências naturais, filosofia, sexualidade e ciências sociais. Foram apresentadas e discutidas buscas metodológicas para análise crítica, práticas interpretativas e pedagogias contemporâneas de teatro, dança e performance em diferentes contextos e demandas. Pode-se dizer que o perfil do GT, como o descrito por esta Coordenação no artigo ‘O Grupo de Trabalho Territórios e Fronteiras’ no segundo número da revista eletrônica Territórios e Fronteiras da Cena, foi mantido:Intensas reterritorializações, desterritorializações, desfronteirizações, reformulações conceituais e novas linhas de fuga à idéia hegemônica sobre o evento cênico configuram uma rede rizomática de objetos de investigação e desejo do GT. Esta rede inclui pára-teatralidades, interlinguagens, intermídias, novas tecnologias, teorias de recepção, o corpo em cena, a desconstrução de identidade(s) e gênero(s), performatividades artísticas, bricolagens e velaturas cênicas, mediações telemáticas, a telepresença, oralidades e virtualidades, os espaços cênicos, rituais, o não-ator, o performador(a), o figurino, o treinamento e gramáticas artísticas. Em um topos pós-estruturalista, outro objeto de estudo permanece sendo a busca por uma epistemologia da performance artística e do corpo em ação artística testemunhada. Privilegia-se o estudo de experiências artísticas inter e trans culturais (disciplinares, textuais e espaciais...) que apontam para outros territórios, objetos, poéticas e linguagens originados pela colaboração artística (Villar e Da Costa 2004).Também abordaram-se a mímese, os reality shows, teatro de formas animadas, teatro dança, teatro digital, teleperformances, identidade e atitude, metáforas identitárias e seus campos de afirmação, presença e ausência, autonomia artística, , teatro latino-americano, narrativas visuais e outros sistemas representacionais, a máscara andrógina, as vertentes discursiva e sexual da questão de gênero, a desrealização da cena, o retorno do real, o devir... Diversos artistas e grupos artísticos da cena contemporânea nacional e internacional foram objetos de estudo e de debate,[1] bem como diferentes fontes teóricas[2] e conceitos chave ou aproximações conceituais[3] alimentaram os artigos e debates. Assim, mantém-se no nosso GT, o estudo do fenômeno teatral, a ação artística e a cena contemporânea,a partir de perspectivas intersticiais, com uma transversalidade teórica necessária para lidar com a multiplicidade que o terreno inclusivo do GT propõe. Nas discussões do grupo são cruzadas pesquisas de âmbito filosófico, antropológico, [biológico,] semiótico e simbólico, com pesquisas de investigadores e artistas professores que possam substanciar uma reflexão intersticial e fronteiriça do teatro, da dança e da performance artística (Villar e Da Costa 2004).ANDAMENTOSNos dois dias da Reunião, o perfil do nosso GT e metodologias para o próximo Congresso e Encontros também foram pontualmente discutidos. Uma plenária final amadureceu decisões tomadas pelo GT na III Reunião Científica e no III Congresso da Abrace em Florianópolis e também apontando novas idéias com os novos filiados e os recadastrados integrantes do GT presentes à Reunião.É de vontade geral que a realização de encontros específicos do GT continue a acontecer, como uma Reunião Científica bienal nossa, sempre antes do próximo Congresso. Já temos o TUSP, a PUC-SP e o LUME/UNICAMP que propuseram a organização de nossa próxima Reunião Científica, que aconteceria em 2007. Para o próximo Congresso no Rio em maio 2006, continuamos e continuaremos a amadurecer a idéia de um formato que propicie mais discussão, debate, troca e aprofundamento de nossas pesquisas nas quatro sessões de duas horas e meia que o GT terá durante o Congresso. Uma idéia que é de consenso geral é que todos os resumos e comunicações seriam disponibilizados para todos integrantes do GT, para que pudéssemos ler antes do Congresso. No espaço-tempo destinado às comunicações do grupo, faríamos algo como uma mesa com alguns palestrantes ou provocadores antes de um debate maior, sobre temas que poderiam ser agrupados de acordo com os conteúdos das comunicações aceitas. Dizemos ‘algo como’ porque o formato continuaria a ser discutido. Uma ferramenta nova para essa discussão, além do e-mail e da TFC (www.eca.usp.br/tfc), é o blog do GT, www.territoriosefronteiras.blogspot.com Fábio Salvatti que o criou, especifica instruções de uso na página que já funciona. Salvatti colocou também no blog, um resumo que os membros presentes na Plenária final fizeram sobre os temas e bibliografia das comunicações futuras que estão pensando para o próximo Congresso. Tal lista inicia uma possibilidade de trabalho grupal ou criação e pesquisa em duplas ou trios, que se formem pelos interesses comuns e objetos de estudo comuns às(aos) integrantes do GT. Tal idéia também contempla e quer amadurecer uma proposta de mapeamento da cena contemporânea. Uma outra idéia apresentada, bem aceita e discutida rapidamente prossegue a discussão de apresentações de ações artísticas, cenas, performances e/ou espetáculos de membros do GT, para debate e produção crítica, ou seja, inserir a perspectiva de ‘intervenções práticas’ nos próximos encontros como ponto de discussão teórica do grupo. Temos então o blog e o e-mail para amadurecer idéias e propostas para o próximo Congresso e um formato mais contundente e mais próximos aos nossos anseios como investigadora(e)s, artistas, professore(a)s.Sobre a seleção de comunicações, foi mantida a proposta de uma Comissão escolhida pelo GT, que não manteria necessariamente a premissa de que ‘enviou, é publicado.’ A excelência é uma meta do GT e cada selecionador(a) poderia propor um veto que seria referendado ou não pelos outro(a)s integrantes. A Comissão de Seleção seria composta pela Coordenação do GT mais Alex Beigui, Ângela Materno, Cassiano Quilici, Lúcio Agra, Luiz Fernando Ramos, Naira Ciotti e Renato Ferracini.Concluindo, uma das propostas a serem discutidas no blog e no Congresso é o da próxima Reunião, como já foi dito. Repetimos aqui a proposta pela validade e valor da mesma, que confirma o entusiasmo dos que participaram dessa primeira Reunião e mantém a inspiração ativa para outros desdobramentos do nosso GT nos objetos de estudo e desejo que nos unem nesse mesmo território de fronteiras cambiantes, expandidas e em transformação.
Abraços,
Fernando Pinheiro Villar (UnB)
Coordenador do GT Territórios e Fronteiras
Brasília, 25 de novembro de 2005
[1] Antonio Araújo e Teatro da Vertigem, Antunes Filho e Grupo Macunaíma, Artur Barrio, Blast Theory, Chris Burden, Dani Lima, Daniel Veronese, Enrique Dias e Cia. dos Atores, Felipe Hirsch e Sutil Cia. de Teatro, Gerald Thomas, Hélio Oiticica, José Celso Martinez Correa, La Fura dels Baus, Lígia Clark, Lourenço Mutarelli e Cia. de Mentira, Luis Valdez, Lume, Marina Abramovic, Paulo de Moraes e Armazém, Periférico de Objetos, PeQuod, Philippe Genty, Renato Cohen, Sobrevento, Stefan Kaegi, Tadeusz Kantor, Tatiana Greenberg, Teatro Campesino, Thomas Richards e Vito Acconci.
[2] Artaud, Baudrillard, Benjamin, Blanchot, Brecht, Deleuze e Guattari, Didi-Huberman, Foucault, George Steiner, Gombrich, Gordon Craig, Grotowski, Hal Foster, Hans Thies-Lehmann, Helena Katz, Jacó Guinsburg, Kleist, Lacan, Linda Hutcheon, Luis Costa Lima, Maturana e Varela, Michel Certeau, Michael Kirby Negri, Nietzsche, Paul Zumthor, Renato Cohen, Roland Barthes, RoseLee Goldberg, Stanislavski, Susan Sontag e Timothy Wiles foram autore(a)s citados.
[3] Conceitos e aproximações conceituais como liminal e liminóide, unwelt, innenwelt, o panóptico foucaultiano, punctum, gluón, máquinas autopoiéticas, potência, interdisciplinaridade artística, hibridismo, pós-dramático, pós-teatro e bricolagem foram utilizados.
http://territoriosefronteiras.blogspot.com/