28 dezembro 2008

Para entender o pós-modernismo



A idéia de "pós-modernismo" surgiu pela primeira vez no mundo hispânico, na década de 1930, uma geração antes de seu aparecimento na Inglaterra ou nos EUA. Perry Anderson, conhecido pelos seus estudos dos fenômenos culturais e políticos contemporâneos, em "As Origens da Pós-Modernidade" (1999), conta que foi um amigo de Unamuno e Ortega, Frederico de Onís, que imprimiu o termo pela primeira vez, embora descrevendo um refluxo conservador dentro do próprio modernismo. Mas coube ao filósofo francês Jean-François Lyotard, com a publicação "A Condição Pós-Moderna" (1979), a expansão do uso do conceito.
Em sua origem, pós-modernismo significava a perda da historicidade e o fim da "grande narrativa" - o que no campo estético significou o fim de uma tradição de mudança e ruptura, o apagamento da fronteira entre alta cultura e da cultura de massa e a prática da apropriação e da citação de obras do passado.
A densa obra de Frederic Jameson
[1] "Pós-Modernismo" (1991), enumera como ícones desse movimento: na arte, Andy Warhol e a pop art, o fotorrealismo e o neo-expressionismo; na música, John Cage, mas também a síntese dos estilos clássico e "popular" que se vê em compositores como Philip Glass e Terry Riley e, também, o punk rock e a new wave"; no cinema, Godard; na literatura, William Burroughs, Thomas Pynchon e Ishmael Reed, de um lado, "e o nouveau roman francês e sua sucessão", do outro. Na arquitetura, entretanto, seus problemas teóricos são mais consistentemente articulados e as modificações da produção estética são mais visíveis.
Jameson aponta a imbricação entre as teorias do pós-modernismo e as "generalizações sociológicas" que anunciam um tipo novo de sociedade, mais conhecido pela alcunha "sociedade pós-industrial". Ele argumenta que "qualquer ponto de vista a respeito do pós-modernismo na cultura é ao mesmo tempo, necessariamente, uma posição política, implícita ou explícita, com respeito à natureza do capitalismo multinacional em nossos dias".
Vale observar que Perry Anderson, ao ser convidado a fazer a apresentação do livro de Jameson, terminou escrevendo o seu próprio “As origens da pós-modernidade”, constituindo assim uma espécie de ‘introdução’ ao conceito. Nele diz que o modernismo era tomado por imagens de máquinas [as indústrias] enquanto que o pós-modernismo é usualmente tomado por “máquinas de imagens” (p.105) da televisão, do computador, da Internet e do shopping centers. A modernidade era marcada pela excessiva confiança na razão, nas grandes narrativas utópicas de transformação social, e o desejo de aplicação mecânica de teorias abstratas à realidade. Jameson observa que “essas novas máquinas podem se distinguir dos velhos ícones futuristas de duas formas interligadas: todas são fontes de reprodução e não de ‘produção’ e já não são sólidos esculturais no espaço. O gabinete de um computador dificilmente incorpora ou manifesta suas energias específicas da mesma maneira que a forma de uma asa ou de uma chaminé” (citado por Anderson, p.105).
Para Gianni Vattino (2001) “a chamada "pós-modernidade" aparece como uma espécie de Renascimento dos ideais banidos e cassados por nossa modernidade racionalizadora. Esta modernidade teria terminado a partir do momento em que não podemos mais falar da história como algo de unitário e quando morre o mito do Progresso. É a emergência desses ideais que seria responsável por toda uma onda de comportamentos e de atitudes irracionais e desencantados em relação à política e pelo crescimento do ceticismo face aos valores fundamentais da modernidade. Estaríamos dando Adeus à modernidade, à Razão (Feyerabend) Quem acredita ainda que "todo real é racional e que todo real é racional"(Hegel)? Que esperança podemos depositar no projeto da Razão emancipada, quando sabemos que se financeiro submetido ao jogo cego do mercado? Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do sistema, onde só tem valor o que funciona segundo previsões, onde seus desejos, suas paixões, necessidades e aspirações passam a ser racionalmente administrados e manipulados pela lógica da eficácia econômica que o reduz ao papel de simples consumidor”.
O pensador brasileiro Sérgio Paulo Rouanet no seu estudo “As origens do Iluminismo” (1987) oportunamente observa que o prefixo pós tem muito mais o sentido de exorcizar o velho (a modernidade) do que de articular o novo (o pós-moderno). Ou seja, o que há é uma “consciência de ruptura”, que o autor não considera uma “ruptura real”. Rouanet escreve:
“depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de Aushwitz, depois de Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação atômica, pela ressurreição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela degradação dos ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da modernidade. Todos esses males são atribuídos ao mundo moderno. Essa atitude de rejeição se traduz na convicção de que estamos transitando para um novo paradigma. O desejo de ruptura leva à convicção de que essa ruptura já ocorreu, ou está em vias de ocorrer (...). O pós-moderno é muito mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-se ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que despontam. À consciência pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna. Nesse sentido, ela é um simples mal-estar da modernidade, um sonho da modernidade. É literalmente, falsa consciência, porque consciência de uma ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é também consciência verdadeira, porque alude, de algum modo, às deformações da modernidade”.


Esquerda e a pós-modernidade

A esquerda tradicional, no Brasil, torce o nariz com o termo pós-modernidade. Cito dois exemplos: o historiador Ciro Flamarion Cardoso (1994), diz que o “paradigma pós-moderno” é fundado no anti-racionalismo subjetivista, “desconstrutivista”, na denuncia dos excessos da ciência. Cardoso desconfia da retórica dos pós-modernistas, por vezes, apodíticas, com afirmações apresentadas como se fossem axiomáticas e auto-evidentes. Reclama, ainda, do desleixo teórico e metodológico de seus argumentos.
Também Dermerval Saviani (1992 e 1997), que é um dos expoentes da filosofia da educação brasileira, na sua pedagogia histórico-crítica, de fundamentação marxista, reconhece no pós-moderno tão somente efeitos de uma época de “fragmentação” e “superficialidade”, um período de “decadência da cultura”, de “esvaziamento do trabalho pedagógico na escola”, enfim, seria mais um meio ardiloso da produção ideológica ‘pós-capitalista’ para encobrir a percepção dos homens a respeito do desenvolvimento histórico. Jameson também teria “identificado firmemente o pós-modernismo com um estágio do capitalismo, entendido segundo os clássicos termos marxistas”
[2].
No fundo, parece existir nestes argumentos acima, uma espécie de ciúme ou receio de que “a pós-modernidade seria um suposto período onde a burguesia deixaria de ser classe revolucionária e passaria a ser classe dominante, e, assim fazendo, voltar-se-ia contra a própria cultura pois, agora, teria que se perpetuar no poder através, embora não exclusivamente, de mecanismos ideológicos” (dito por GHIRALDELLI Jr, 1994). Ou seja, a tendência marxista da pedagogia brasileira opta pela modernidade e despreza a idéia de pós-modernidade por esta insinuar o esvaziamento do caminho dogmático rumo ao socialismo, via revolução.
Os sinais do pós-modernismo que mais parecem incomodar a esquerda tradicional e a direita reacionária, resumindo, são: no campo político, a atitude desinteressada, despolitizada (no sentido tradicional); os pós-modernos, aparentemente falam e agem sem o peso da “angústia de influencia” (Bloom). Também são avessos aos extremismos clássicos, do tipo “esquerda-progressista” e “direita-conservadora”, uma vez que acreditam estarem estas definitivamente superadas. Os pós-modernistas, como já foi dito, descartam a idéia de revolução como passaporte necessário para uma “nova sociedade", um "novo homem” e uma “nova felicidade realista” “sem classes” e “sem desigualdade”. Valer dizer que além da descrença, existe o fato das revoluções ocorridas no socialismo real, resultaram em totalitarismos, fracasso econômico e decepção da população obrigada a conviver com a falta de liberdade. No campo da arte e na estética, parece incomodar a “emancipação do vulgar” e a mistura de gêneros. No campo da moral, existe a tendência a tolerância, o respeito as diferenças humanas, o pluralismo radical, ou seja, “sem inimigos a derrotar”; por vezes, também parecem se posicionar numa atitude de neutralidade moral frente às discussões que se encaminham para polarizações que cheiram ao maniqueísmo. No campo da educação, existe o discurso por um ensino e uma pesquisa inter ou transdisciplinar. Aqui, a crítica maior é dirigida ao ensino cientificista, especializado, que teima em fazer apologia do progresso, cego aos seus ‘efeitos colaterais’. O culto ao progresso, o culto da ciência e o culto da razão
[3], e o desprezo às outras formas de conhecimento, são características da modernidade, do iluminismo, cujos efeitos colaterais pudemos sentir ao longo do século 20. Na verdade, o progresso científico e da industrialização, fez abrir a caixa de Pandora, cujos efeitos são visíveis nos dados ao meio ambiente, na violência urbana e na pobreza dos homens. Na filosofia, aparece à oposição a tradição essencialista, a adoção pela pluralidade de argumentos, com a proliferação de paradoxos e do paralogismo – antecipadas na filosofia de Nietzsche, Wittgenstein e Levinas. No campo epistemológico, o sujeito pós-moderno desconfia dos “grandes sistemas teóricos” ou da “grande idéia”, que, no fundo é de inspiração religiosa – visto que são as religiões que sempre prometem a felicidade (uma “idade de ouro”) num tempo futuro[4]. As religiões vivem deste tipo de propaganda enganosa.
A ação política pós-moderna, descrente da ação política tradicional (partidos políticos, sindicatos, eleição de representantes, etc), prefere atuar através de ações voluntárias através de ONGs, bem como nos atos mais ou menos espontâneos de grupos e de sujeitos que investem, por exemplo, em melhorar a saúde da sociedade. São as ações pró educação para diminuir a violência no trânsito, ações pró educação ambiental, a luta pela extinção do tabagismo e das drogas, a prevenção da DST e AIDS, a participação de ações contra a fome, prestar serviço para a eliminação do analfabetismo, a participação nos projetos e-learning, etc, podem ser de inspiração pós-modernista
[5].


Alguns sintomas no sujeito pós-moderno


Rouanet se arrisca em fazer uma psicopatologização ao considerar, primeiro, o moderno essencialmente como contraditório. É na modernidade que Freud e depois mais radicalmente W. Reich, ambos estabelecem a conexão repressão sexual e enfermidades mentais. Segundo, a sociedade pós-moderna irá favorecer o surgimento de um hedonismo socializado pela mídia e, de certa forma, respondida pela própria sociedade como sintoma “sociedade espetáculo” (Debord).
Na sociedade ocidental pós-moderna a visibilidade de cenas tende a ser obscena, quando exclui a dimensão da subjetividade e da privacidade das pessoas. Ou seja, anula-se a dimensão do privado, tornando “tudo” público, do cotidiano dos ansiosos por fama dos ex-anônimos do programa televisivo Big Brother, aos já famosos da revista Caras, e, também, o ritual histérico dos evangélicos, dos carismáticos e islâmicos, que se oferecem para serem vistos pela televisão seduzindo todos com suas “justas causas”, aos miseráveis igualmente noticiados e fotografados decorrentes de algum fato jornalístico.
Os sintomas de obscenidade da era moderna de exploração sexual ou de exploração do trabalho, operavam sempre no oculto, eram marginalizadas aos subterrâneos da vida social. Os dispositivos ideológicos de manutenção das cosias como estavam, eram a opressão social, a repressão psíquica e o trabalho ideológico de recondução da libido para fins de trabalho ou exploração industrial; hoje, na sociedade pós-moderna, reforçando o que foi dito acima, operam mecanismos de promoção da visibilidade do que era privado, como se decretasse o fim do segredo ou o fim da intimidade.
A doença da era moderna era a histeria, onde ocorria a teatralização do sujeito incapaz de suportar tanta repressão, originada no conflito endopsíquico. Freud funda a psicanálise graças às histéricas que lhe insinuam um gozo impossível. O mal-estar da cultura pós-moderna é mais complexo, os sintomas subjetivos se pulverizaram no disfarce coletivo, parecendo que “estamos todos bem”, tal como auto-enganava o personagem de Marcelo Mastroianni, no filme italiano de mesmo nome. O mal-estar pós-moderno é visível e trivial, expressado na linguagem do cotidiano do trabalho compulsivo, muitas vezes vendido como se fosse “lazer” ou “ócio criativo”, que gera stress, a perversão, a depressão, a obesidade, o tédio.
Em termos de patologia social, a modernidade fez surgir coisas contraditórias como indústrias e a atitude liberal, a ciência, a tecnologia, a multiplicação da população pobre e de guerras racionais. A pós-modernidade marca o declínio da Lei-do-Pai, cujo efeito mais imediato no social é a anomia, onde a perversão se vê livre para se manifestar em diversas formas, como na violência urbana, no terrorismo, nas guerras ideologicamente consideradas “justas”, “limpas” ou “cirúrgicas”. A razão cínica é cada vez mais instrumentalizada. Isto é, não basta ser transgressivo, ou perverso-imoral, é preciso se construir uma justificativa “moral” para atos imorais ou perversos. Zizek (2004) cita o escabroso caso dos necrófilos, nos EUA, que se julgam no “direito” de fazer sexo com cadáveres. Ou seja, qualquer cadáver é “um potencial parceiro sexual ideal de sujeitos ‘tolerantes’ que tentam evitar toda e qualquer forma de molestamento: por definição, não há como molestar um cadáver”.
Na pós-modernidade a perversão e o estresse são sintomas resultados da falta-de-lei, da falta-de-tempo, e da falta-de-perspectiva de futuro, porque tudo se desmoronou (do muro de Berlin a crença nos valores e na esperança). “Tudo se tornou demasiadamente próximo, promíscuo, sem limites, deixando-se penetrar por todos os poros e orifícios”, diz Zizek.
Nossa sociedade é regida mais do que pela ânsia de “espetáculo”; existe a ânsia de prazer a qualquer preço, não made in id [Isso] mas made in Superego. O superego pós-moderno “tudo vale” e “tudo deve porque pode”. Todos se sentem na obrigação de se divertir, de “curtir a vida adoidado” e de “trabalhar muito para ter dinheiro ou prestígio social”, não importando os limites de si próprio e dos outros. As pessoas se sentem no dever de se vender como se fosse um prazer, de fazer ceia de natal em casa à meia noite, de comemorar o gol que todo mundo está comemorando, de curtir o carnaval nos 3 ou 4 dias, de seguir uma religião, de usar celular sem motivo concreto, de gastar o dinheiro que não têm, de trepar toda noite porque todos dão a impressão de fazê-lo, de fazer cursos e mais cursos, ascender na empresa, escrever mil e um artigos por ano na universidade, enfim, todos parecem viver na “obrigação” de se cumprir uma ordem invisível, e de ser visivelmente feliz e vencedor. O senhor invisível que no manda é o superego pós-moderno; “ele manda você sentir prazer naquilo que você é obrigado a fazer”. E, ai daquele que não consegue, ou que se nega seguir a moral de rebanho, pagará de três modos: será estigmatizado pelos seus pares (“Ele quebrou o código, é um traidor do super-ego pós-moderno!”), ou pagará com um terrível sentimento de culpa ou, ainda, sofrerá os sintomas de uma doença psicossomática.
Não é sem motivo que os lugares de trabalho em que a competição é mais acirrada, onde não existem limites definidos entre trabalho, estudo e lazer, que encontramos pessoas queixosas, infelizes, freqüentemente visitando os médicos e hospitais. Se a modernidade prometia a felicidade através do progresso da ciência ou de uma revolução, a pós-modernidade promete um nada que pretende ser o solo para tudo.

[1] Perry Anderson considera Jameson um sujeito bem à esquerda de qualquer das fuguras incluídas nesse levantamento [p.77].
[2] Anderson, 1999: p. 77.
[3] Cf.: Japiassu, 2001.
[4] Japiassu (op. cit, p. 167 e 182-3) observa que a crença da marcha ascendente da humanidade em direção a um telos (fim), têm inspiração num desígnio traçado e querido por Deus para o bem da humanidade. A idéia de progresso (característica do Ocidente a partir do iluminismo e da Revolução Francesa) remonta às nossas fontes judaico-cristãs. A maioria de outras civilizações vive sem a idéia de progresso. Algumas chegam mesmo a recusar toda crença na historicidade. Para o hiduísmo, por exemplo, o homem não sai do eterno retorno. Para o budismo, o sujeito deve libertar-se dos acontecimentos, portanto da História. O mesmo se aplica ao sujeito da história, por exemplo, para o taoísmo “o único desejo autorizado é não ter desejos” (Cf.: Lao Tsé, em Tao te king) .
[5] Notem que essas ações antigamente – e ainda hoje - são criticadas pela esquerda marxista como “filantropista”, “reformista”, etc.


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