29 dezembro 2007

Dono de sua própria dança
por Soraya Belusi - 26/12/2005 - Jornal O TEMPO

O bailarino Vanilton Lakka, de Uberlândia, se destaca na pesquisa da arte em movimento e ganha APCA de melhor intérprete de 2005

Em um outdoor, localizado entre a rua Tupis e a avenida Olegário Maciel, no centro de Belo Horizonte, ele construiu uma plataforma e ligou uma esteira, onde corria uma hora por dia.
Em outro trabalho, passou um terço do tempo completamente amarrado, precisando da ajuda do público para ser "libertado". Sua mais recente investigação levou a dança para a instalação, para o mundo virtual e até para o telefone.
Essas e outras razões fizeram esse criador ser dono de sua própria dança e, assim, Vanilton Lakka, 28, não passou despercebido dentro da cena contemporânea brasileira.
Lakka foi agraciado com o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) como melhor intérprete do ano de 2005, que será entregue em abril do ano que vem.
O Magazine conversou com o bailarino natural de Uberlândia para saber um pouco mais de sua trajetória e dos caminhos que o nortearam no desenvolvimento do seu próprio conceito da arte do movimento.
Como não poderia deixar de ser, sua formação teve início com grupos do movimento de dança de rua, ainda em 1991, quando ainda era um garoto de 12 anos. Três anos depois, Lakka já via necessidade de ampliar seu campo de atuação e foi buscar a formação nas técnicas do balé clássico, jazz, moderno e dança contemporânea.
A partir de 1997, foi um dos fundadores do Grupo Werther - Pesquisa de Dança, dentro de uma proposta de criação coletiva, que contava com a participação do também bailarino de Uberlândia Wagner Schwartz.
"Nosso foco de criação foi se delineando com o tempo. Acabamos nos aproximando do cotidiano e os nossos trabalhos começaram a apresentar narrativas não lineares, constituindo pequenos núcleos de situações. Alguns críticos chegaram a sugerir que apostássemos na pantomima, mas preferimos resolver da nossa maneira. Agora, consigo visualizar um pouco o que aconteceu: paramos para perceber os movimentos do nosso corpo e compreendemos o que saía dali, em vez de pegar uma linha muito específica de pesquisa e seguir", explica Lakka, em entrevista por telefone, de Uberlândia, cidade que, mesmo com o reconhecimento nacional, ele não pretende abandonar.
Vocação para dança "Sempre falo para as pessoas que Uberlândia tem uma vocação histórica para dança. Aconteceu uma conjuntura aqui, com o Festival de Dança do Triângulo e o movimento de dança de rua, que fez alguns teóricos dizerem que a cidade virou meio um laboratório, idéias estavam e estão sendo testadas por aqui. Isso me faz prestar atenção na cidade e não querer me afastar. E quando começo a pensar no Brasil, percebo que estamos no momento da descentralização. Acho importante não estar na capital", defende Lakka, que realiza em Uberlândia, desde 2004, o projeto CirculaDança.
Foi em sua cidade natal que Vanilton Lakka recebeu o primeiro prêmio da carreira. Em 2003, com o espetáculo "Dúbbio" foi o vencedor da categoria Estímulo Dança Profissional no XVI Festival de Dança do Triângulo, sob a tutela da crítica Helena Katz e da coreógrafa Lia Rodrigues. Era ainda seu primeiro vôo solo.
"De todos os meus trabalhos, este foi o que eu mais mantive vínculo com as técnicas da dança de rua e com a coisa mais acrobática que também tinha pesquisado, unindo às improvisações de contato. Chegou num patamar em que essas informações se organizaram no corpo de tal maneira que tinha uma identidade própria", explica.
Os holofotes voltaram a se virar para ele em "De....Va..Gar: Últimos Capítulos da Cultura Nacional", em que chamou a atenção do público presente no evento "1, 2 na Dança", ao discutir questões ligadas às leis de incentivo à cultura.
Na primeira cena do espetáculo, o bailarino ficava oito minutos com o corpo todo amarrado, com o Hino Nacional de fundo musical, entrecortado com entrevistas realizadas com pessoas que se utilizaram das leis de incentivo. A segunda cena tinha o tom do samba e o público era quem o libertava daquelas amarras.
O fechamento" Apenas três minutos de movimentação no palco. No mesmo período, Lakka havia sido selecionado para ocupar a função de pesquisador/ criador/intérprete residente do Território Minas, um dos programas do Fórum Internacional de Dança (FID).
Nascia "Você, o Imóvel Corpo Acelerado", trabalho concebido a partir da discussão do conceito Mídia Corporal.
"A idéia era mesmo como fazer propaganda com o corpo. Já vinha fazendo essa investigação de como sair desse vínculo comercial e discutir a possibilidade cênica dessa história", contextualiza Lakka, também bacharel em Ciências Sociais, formação que, de uma forma ou de outra, reverbera no seu pensamento sobre o ato de dançar.
"Minha dança é intimamente ligada a uma leitura social", analisa. O FID rendeu à investigação de Lakka mais um espetáculo, "O Corpo É a Mídia da Dança", apresentado este ano e que uniu suas investigações sobre os possíveis suportes para a dança e como utilizar sua formação técnica para criar seus trabalhos.
Atualmente, o bailarino compõe como convidado o elenco de companhias respeitadas nacionalmente como o Camaleão Grupo de Dança e Mário Nascimento Cia. de Dança, com o qual dançou as coreografias "Escambo" e "Do Ritmo ao Caos". Mas a parceria não terá, ainda, ponto final.
"Fiquei três anos fazendo um trabalho solo atrás do outro. Quero trabalhar com pessoas com mais estrada e, inclusive, criadores afastados de mim fisicamente, para poder investigar as possibilidades da Internet. Quero poder participar do processo de criação dos espetáculos do Mário (Nascimento) e contribuir também para o processo. Não quero virar um especialista em solos, gosto da dança enquanto possibilidade de criação, sem qualquer limite", defende.
Festivais Só neste ano, Vanilton Lakka fez 52 apresentações, entre solos e trabalhos com outras companhias, tendo se apresentado nos principais festivais de dança contemporânea do país, como o próprio FID, o PanoramaRioArte, no Rio de Janeiro, e o Masculino na Dança, realizado em São Paulo.
No anúncio dos vencedores do APCA, Vanilton recebeu o prêmio de melhor intérprete, sem estar explicitado por qual trabalho. O bailarino acredita que o prêmio veio pelo conjunto de espetáculos apresentados, seja como criador ou intérprete, conceitos que para ele não são excludentes.
"Ser um intérprete-criador não é dançar apenas aquilo que você cria. Isso toca muito mais na possibilidade de você ter autonomia dentro da sua criação e isso se dá na cabeça e no corpo de
quem está fazendo. Não é porque o outro criou que não vou me apropriar e tratar isso como se fosse meu. A questão passa por em que medida a minha dança é minha"", questiona.
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