29 dezembro 2007

sobre FRONTEIRA
por Renato Ferracini - site FUGA
Fronteira não é linha. Nem demarcação meramente espacial ou temporal entre dois pontos ou territórios. Não é uma marca de delimitação. Em realidade é também... mas não é, absolutamente, esse o sentido comum – senso comum - que interessa. Espaço-entre, In Between, MA (Tadashi Endo), Entre Mundo (Bhabha), Não-Lugar (Augé), Zona de Vizinhança, Indiferenciação ou Indiscernibilidade (Deleuze), esses são os outros nomes de fronteira que interessam, pois eles não são apenas nomes, mas estados-de-vida-emaberto- e-em-potência. Um espaço, um território de fronteira, é, por excelência, um território de devir. E devir não é evolução ou uma seta teleológica. Devir é uma Zona de Experiência, lugar-não-lugar-comum de experimentação.Um espaço-território de peste artaudiano.Fronteira é um espaço de vizinhança no qual não há síntese entre dois elementos que geram um ponto-estático que deve ser – novamente - negado para que outra síntese aconteça, mas, sim, experiências entre duas ou mais partículas ou ações ou afetos em velocidade que criam potências. É por isso que não há dialética ou evolução ou teleologia na fronteira, mas potências de multiplicidades das quais nascem turbilhões, fissuras, involuções, quebras, rizomas, potências, velocidades e até mesmo, e também, sínteses. Assim fronteira é um espaço de criação, recriação e conflitos. Território de velocidades e não de repouso.Fronteira não é um ponto, nem linha, nem demarcação, mas movimento, ação, potência, devir, velocidade.“O mais profundo é a pele”, segundo Paul Valéry. Ora o que é a pele senão a superfície corpórea? Portanto, segundo Valéry, a pele é a superfície e, portanto, o mais profundo é a superfície. Paradoxo da superfície.Paradoxo Valéry. Mas o que é a superfície ou a pele senão o próprio envoltório da fronteira? A pele é o corpo e, ao mesmo tempo, a matéria incorpórea da fronteira, pois é no território-pele que está o mais profundo da superfície, pois a pele – corpo em si paradoxal - é o território próprio da atualização - recriação em turbilhão de virtuais e atuais: movimentoação da fronteira. Esse movimento-ação gera um território-pele absolutamente dinâmico, pois ele se desterritorializa em continuum e ao mesmo tempo se reterritorializa em continuum nele mesmo, em um tempo menor do que o mínimo pensável. Por isso instável, por isso incerto, por isso indeterminado. Por isso a fronteira é lugar de conflito, pois a fronteira é sempre móvel nesse turbilhão. É na pele, nessa linha entre um possível dentro (dobra do fora) e um possível fora (desdobra e projeção do dentro), que está a fronteira. Mas a fronteira não está na pele, a fronteira é a própria pele, e é nela que essa dinâmica atualizaçãovirtualização em turbilhão espiralado - porque não circular, porque nunca atravessa o mesmo ponto - acontece. É a pele que é esse continuum de movimento de virtualização-atualização impensável, incerto, indeterminado: dinâmica de atualização que emite e absorve virtuais. É nesse território-pele que está a memória enquanto duração e acúmulo de virtuais no presente recriando-se – e portanto, atualizam-se - a cada instante. A memória se territorializa na pele, no mais profundo da pele.Pele – memória – fronteira, ou ainda Memória – fronteira – Pele, ou aindaFronteira – pele – memória.E voltando a Valery: o mais profundo é a fronteira. Assim, a fronteira não está distante: a mais longínqua fronteira é a própria superfície-território da pele. A fronteira sempre está próxima – basta ativá-la, basta transbordá-la nela mesma, pois a fronteira é o limite: além da fronteira mais fronteira, além do limite, mais limite. Fronteira é pele e nesse sentido o mais profundo é também o mais próximo, o mais superficial.Esse espaço de fronteira – território-pele - é justamente o platô no qual respiram os corpos nômades. E o corpo nômade respirando não é aquele que não possui qualquer território, mas é justamente aquele que se territorializa no próprio movimento de desterritório. O nômade é pele. A terra do corpo nômade é uma ação de potência, uma ação de possibilidades. Nesse sentido, ninguém mais aterrado que o corpo nômade, pois ele está quase sempre em velocidade, sempre em possibilidade de formação. Uma velocidade aterrada na ação de potência, aterrada na própria potência, no território de fronteira, na zona de experiência e possibilidades: velocidade aterrada - esse é o paradoxo do corpo nômade.Assim, a terra do nômade é a fronteira, mas cuidado: o nômade constrói a fronteira em sua velocidade aterrada. Na medida em que caminha, o corpo nômade potencializa a própria experiência de ser nômade, deixando atrás de si um rastro de possibilidades, um rastro de peste que pode gerar novos contágios. Um corpo nômade não descortina ou descobre fronteiras, ele as constrói em sua ação de potência e, ao mesmo tempo, a fronteira, como território de ação em desterritorialização abarca o corpo nômade. Retroalimentação. Relação de puro Espaço de Escher:qual mão desenha qual? A fronteira não pré-existe, pois ela sempre é criada e recriada. Por isso a fronteira não é somente mapa-espacial, mas abarca também relações, criações, pensamentos, e se configura como e na arte, como e na ciência, como e no espaço de possibilidades de todas as áreas, tempos e espaços.Então fica a pergunta: como construir uma fronteira na arte performática, ou mais especificamente, no corpo da arte performática? Como vimos, uma fronteira não existe na linha que delimita territórios; ela se constrói e é criada-recriada na ação de um corpo nômade que se aterra no território em ação de desterritorialização, ou seja, na potência, na Zona de Experiência. Lançar um corpo cotidiano na fronteira é, portanto, lançá-lo no nomadismo, ou seja, na ação ativa de possibilidades. Não corpos dóceis, mas corpos potentes. Não corpos passivos, mas ativos. Em trabalhos e experiências recentes realizadas por mim no LUME na possível busca de um corpo-nômade-pele, pode passar por dois elementos que se completam entre si: o paradoxo e a micropercepção. Respiremos, portanto, um pouco de paradoxos e também um pouco de micropercepções nesse espetáculo-experiência.

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